Para a admiração dos peregrinos

 Para a admiração  dos peregrinos  POR-046
14 novembro 2024

Os peregrinos que chegavam a Roma vindos do norte, percorrendo a via Francigena, encontravam-se de repente a olhar do alto para a extensão da cidade a partir do Monte Mario, cujo topónimo medieval deriva de Mons Gaudii, monte da alegria, como que para recordar o coração que lhes saltava no peito e o respiro que lhes ficava preso devido à emoção. Tinham chegado, podiam vislumbrar mais de perto em relação a todas as outras a basílica de São Pedro, a linha sinuosa do Tibre e os telhados e cúpulas de outros lugares santos que os esperavam.

Não eram viajantes inexperientes; estavam quase sempre dotados de sólidos guias “turísticos” para orientar os seus passos. A literatura de viagem não é nova. Para nos limitarmos apenas à Antiguidade tardia, no século iv já existiam itinerários com descrições menos exatas de lugares individuais e destinados sobretudo a marcar as etapas de viagem ao longo das estradas. Entre eles há o chamado Itinerarium Burdigalense, ou Itinerarium Hierosolymitanum, o mais antigo itinerário cristão, escrito em 333-334 por um anónimo durante a sua viagem de Burdigala, atual Bordeaux, para Jerusalém, etapa de chegada para venerar o Santo Sepulcro. Roma ainda aparece entre os muitos lugares, etapa de um caminho que não a via protagonista e que privilegiava a Terra Santa. Com a queda de Jerusalém em 1187 e, depois, com o cerco de Acre, que marcou o fim das cruzadas, em 1291, Roma tornou-se progressivamente o principal polo de atração, mais tarde exaltado pela instituição do Ano Santo.

O número infinito
de igrejas romanas

O itinerário do abade Nikulas Munkathvera, de 1151 a 1154, é um dos mais famosos e antigos. Também ele vem a Roma descendo do Monte Mario e enumera os lugares mais importantes, os cinco bispados: um na Igreja de São João Batista, onde se encontra a cátedra papal; o segundo na Igreja de Santa Maria, onde o Papa celebra as missas do Natal e da Páscoa; a ocidente, a igreja de São Paulo, onde se encontra o lugar chamado Catacumbas; depois, o mercado de São Pedro Apóstolo, «muito vasto e longo» e, concluindo, a venerada igreja de São Pedro, enorme e famosa: «Aqui está a completa libertação das dores dos homens do mundo inteiro...» e continua mencionando “o sarcófago” do Apóstolo sob o altar. Afirma também que aqui foi preso e que aqui se encontra a cruz do seu martírio. Acrescenta que metade dos ossos de Pedro e Paulo estariam conservados no altar, enquanto a outra metade estaria na igreja de Paulo. Além destas, Nikulas menciona Santa Inês, o Panteão e outros lugares de culto, concluindo: «Ninguém é tão erudito que conheça com certeza todas as igrejas de Roma».

Mirabilia

A partir do século xii , surgem verdadeiras descrições de Roma, Mirabilia Urbis Romae, “As maravilhas de Roma”. Às vezes fala-se de lugares que não são compreendidos e que acabam por ser descritos de modo simplório, corrompidos por lendas e fantasias improváveis. No fundo, o aspeto mais fascinante e misterioso desta cidade tão complexa permanece exposto aos olhos dos peregrinos: o contraste entre a cidade pagã e a cristã. Um passado que deixou vestígios monumentais, cuja função original não se compreende, cujas técnicas de construção, com grandes blocos quadrados de travertino e mármore, suscitam admiração, cujas decorações esculpidas fascinam e cujas estátuas são interpretadas como provenientes de um mundo fantástico e muitas vezes demoníaco.

A redação mais antiga dos Mirabilia é atribuída a um cónego de São Pedro, Bento, entre 1140 e 1143, mais tarde incluído no Liber Pontificalis. Esta obra não nasce de um guia, mas da exigência de recensear os bens imobiliários da Urbe para os inventários papais e de os preservar contra as pilhagens. Com efeito, nestes primeiros opúsculos não se encontram apenas os destinos de peregrinos, mas em geral os pontos de interesse: das muralhas e torres de Roma às fortificações e portas; os arcos triunfais, as colinas, as termas, os edifícios antigos e de espetáculo, os lugares ligados ao martírio dos santos; além disso, pontes, cemitérios, concluindo com narrações históricas e um itinerário do Vaticano até “Trastevere”.

Itinerário urbano

Do Vaticano passava-se pelo Castelo de Santo Ângelo, chegava-se ao Campo Marzio para subir ao Capitólio e descia-se de novo rumo aos Fóruns imperiais, passando sob o Arco de Tito. No Palatino, a grande estrutura do Coliseu, depois o Circo Máximo, o Celio e o Latrão. A partir daqui, ainda o Esquilino, o Viminal, o Quirinal, fechando o círculo para regressar novamente ao Circo Máximo e ao Castelo de Santo Ângelo. Chegando a Trastevere, visitava-se a Ilha Tiberina.

As cinzas de Júlio César

Além das relíquias mais famosas das basílicas, havia outras atrações para os peregrinos. Alguns lugares conservavam, e em muitos casos ainda conservam, testemunhos da passagem dos apóstolos, santos e mártires. Além dos cristãos, havia lugares onde se contavam histórias antigas de personagens ilustres. É o caso de uma torre na Praça de São Pedro, onde se encontrava uma maçã dourada com as cinzas de Júlio César. A razão é sempre a antítese Roma pagã — Roma cristã com resultados até morais; com efeito, aquela antiga esfera dourada representava uma glória efémera já passada. No entanto, nesse mesmo lugar resplandecia agora a glória eterna de um mártir, de um último, que Deus tinha escolhido como fundamento da sua Igreja. Acreditava-se que a Meta de Sancto Petro era originalmente o lugar do sepulcro de Rómulo. E neste jogo de sobreposições simbólicas, vale a pena mencionar também um lugar não romano, Constantinopla, onde se julgava que as relíquias da cruz de Cristo tinham sido colocadas no globo sustentado pela mão direita da estátua de Constantino.

A pinha dourada
nos Museus do Vaticano

A grande pinha de bronze que hoje se encontra no pátio com o mesmo nome, nos Museus do Vaticano, originalmente fazia parte de uma fonte nas termas de Agripa, no Campo Marzio. Entre as várias versões da lenda medieval, afirma-se que servia de “tampa” do oculus (olho) do Panteão e, quando o templo pagão foi transformado em igreja, um diabo que se aninhava no seu interior voou levando consigo a pinha, que depositou no pátio de São Pedro, deixando aberto o buraco no centro da cúpula. Outra história, no entanto, narra que a pinha continha as cinzas do imperador Adriano e estava no topo do seu mausoléu, ou seja, o Castelo de Santo Ângelo.

Monte cavalo

O grupo escultórico dos dois Dióscuros, Castor e Pólux, no ato de segurar os seus cavalos pelas rédeas, encontra-se desde a antiguidade na colina do Quirinal que na Idade Média, precisamente por este motivo, se chamava Monte cavalo. Presume-se que a sua localização original tenha sido nas termas de Constantino, situadas nos arredores. Os nomes gravados nas bases, Opus Phidiae e Opus Praxitelis, obra de Fídias e Praxíteles, suscitaram interesse e deram azo a várias interpretações. Na Idade Média, precisamente os Mirabilia referiam que se tratava de dois filósofos, portadores da verdade «nua e crua», «e tal como eles estavam nus, também toda a ciência do mundo estava aberta e nua à sua mente», noutras versões julga-se que fossem adivinhos. Foi Petrarca, várias vezes em Roma, que as reconheceu como obras dos dois famosos escultores gregos, referindo-se à Naturalis Historia de Plínio.

A basílica de Ara Coeli
e o presságio de uma promessa

Situa-se no topo de uma escadaria íngreme, entre a praça do Capitólio e o Altar da Pátria. É o ponto mais alto da colina capitolina, um lugar particularmente sagrado na Roma antiga. O seu nome, que persiste até hoje com o seu topónimo latino, significa “altar do céu”. Era o arx, provavelmente o lugar do auguraculum, o recinto augural, o ponto mais favorável para obter auspícios observando o voo das aves. Sob o pequeno templo circular de Santa Helena encontra-se um altar cosmatesco do século xii , onde de cada lado do arco de uma falsa porta com um cordeiro se encontram relevos de Augusto e da Virgem com o Menino, evocando uma lenda que ainda mistura o mundo pagão com o mundo cristão, como que para encontrar as raízes da nova religião num tempo ainda inconsciente. Aqui, ainda segundo os Mirabilia, o imperador Augusto teria tido uma visão: no céu, uma mulher sentada num altar com um menino ao colo. E uma sibila ter-lhe-ia dito: Haec est ara filii Dei! - «Aqui está o altar do filho de Deus!».

O Coliseu e a instituição jubilar da Via-Sacra

Certamente este grande edifício, com o seu volume enorme e pesado, não deixava de surpreender e consternar os peregrinos. Não compreendiam a sua função, a ponto de supor que se tratava de um templo. O autor do Livro imperial, do século xiv, detém-se a descrevê-lo. Um edifício «de suprema grandeza e altura», grandes colunas, sete paredes e um número infinito de portas. No centro, que é a arena, havia uma enorme coluna sobre a qual se erguia a estátua dourada de Júpiter. Era visível de longe e todos, ao vê-la, faziam genuflexão. A sua verdadeira função original como edifício de espetáculo e depois lugar de martírio, só foi compreendida mais tarde e floresceu em 1750, quando Bento xiv , a 27 de dezembro de 1750, instituiu a Via-Sacra no Coliseu para comemorar aquele Ano Santo.

Um itinerário
cada vez mais rico

Com a instituição do Jubileu, especialmente a partir da segunda metade do século xiv , as listas de indulgências começaram a incluir novas igrejas. Depois de São Pedro e São Paulo em 1300, São João foi incluída em 1350 e Santa Maria Maior em 1390. Numa série de bulas emanadas em março de 1400, a visita necessária para obter a indulgência foi ampliada às basílicas de São Lourenzo fora dos muros, Santa Maria “in Trastevere” e Santa Maria “della Rotonda”, ou Panteão.

Grande difusão

Com o advento da imprensa, multiplicaram-se as obras e a sua difusão, incunábulos, indulgências e diários de viagem. As descrições dos monumentos tornaram-se verdadeiros guias, sobretudo no final do século xv , por ocasião do Jubileu de 1475. Surgiram as Indulgentiae ecclesiarum urbis Romae, que não abordam a história de Roma, concentrando-se na descrição das sete igrejas principais e das suas relíquias, com as indulgências que se podiam obter em cada uma delas.

Estas obras são enriquecidas com ilustrações, inicialmente limitadas a imagens dos santos titulares das várias igrejas, mostrando mais tarde vistas e vislumbres da cidade, como nas célebres obras de Giuseppe Vasi, pintor de paisagens do século xviii e autor da série Magnificenze di Roma antica e moderna.

As sete igrejas

Um requintado itinerário de fé era a visita às sete igrejas, em uso desde o século vii , um trajeto de cerca de 20 km que se percorria em dois dias e que se tornou peculiar do período pascal. Visitavam-se as basílicas maiores e três menores: São Pedro, São Paulo, Santa Maria Maior, São João de Latrão, Santa Cruz de Jerusalém, São Lourenço e São Sebastião. Ao longo do percurso, encontravam-se muitos lugares de antiga memória cristã e em especial as catacumbas de Comodila, Domitila e São Calisto.

São Filipe Neri, em 1552, renovou esta antiga peregrinação, que se desenvolveu espontaneamente, primeiro com poucos amigos e os jovens do oratório, depois com uma verdadeira multidão de pessoas. Partia-se da igreja de São Jerónimo para chegar a São Pedro e passar a noite. No dia seguinte, parava-se em São Paulo fora dos muros e continuava-se até São João de Latrão, às basílicas de São Lourenço, de Santa Maria Maior, de Santa Cruz em Jerusalém e de São Sebastião onde, nas catacumbas, no dia de Pentecostes de 1544, o seu coração foi tocado por «uma efusão do Espírito Santo», como narrava o próprio São Filipe. O número sete é frequente não só nas igrejas a visitar, mas acaba por imbuir de significado espiritual todos os momentos e lugares desta peregrinação: recitam-se os sete salmos penitenciais para invocar o perdão dos sete pecados capitais e pedir as sete virtudes, meditando sobre as sete etapas principais de Jesus durante a Paixão, as sete efusões do sangue de Cristo, as sete palavras de Cristo na cruz, os sete dons do Espírito Santo, os sete sacramentos e as sete obras de misericórdia. A prática adquiriu rapidamente ampla aceitação, conquistando um afluxo de peregrinos que continua até hoje.

Maria Milvia Morciano