· Cidade do Vaticano ·

Rede de congregações na Etiópia dá futuro aos mais vulneráveis

A união faz a força
(e salva a vida)

 A união faz a força (e salva a vida)  POR-043
26 outubro 2023

Abebech, uma jovem mãe etíope de Zwai que chegou a Adis Abeba em busca de trabalho, foi acolhida com seu filho pelas Missionárias da Caridade, mas depois estudou corte e costura no Mary Help College das Filhas de Maria Auxiliadora e agora trabalha numa empresa de roupas. Herut, uma imigrante eritreia, deixou o campo de refugiados Mai-Aini no Tigray, procurou ajuda no centro para refugiados do Jesuit Refugee Service (Serviço Jesuíta para Refugiados) na capital etíope e agora faz um curso para ser cabeleireira no centro de formação do jrs . Samuel, crescido nas ruas de Mexico, bairro de Adis Abeba, aceitou o convite do padre Angelo que o levou ao Dom Bosco Children Center, e graças à formação recebida dos salesianos, hoje ganha 4000 birr por mês (67 euros, valor considerado digno na Etiópia) numa fábrica de bolsas de pele, e vive numa casa alugada com alguns amigos.

 Estes são alguns dos 1500 deslocados internos, migrantes «de regresso» e refugiados de outros países africanos, cujas vidas mudaram graças ao projeto-piloto lançado em Adis Abeba no final de 2020 pelo Fundo Global de Solidariedade ( gfs , sigla em inglês), em colaboração com congregações religiosas femininas e masculinas, com o objetivo de trabalhar em conjunto com empresas privadas e organizações internacionais para fortalecer o seu compromisso de melhorar a vida de pessoas vulneráveis.

O gsf apoiou a criação de um consórcio que hoje envolve cinco congregações religiosas, coordenado pela Comissão sociopastoral da arquidiocese. São salesianos e salesianas (Filhas de Maria Auxiliadora), Irmãs Ursulinas, Missionárias da Caridade e jesuítas (por meio do Jesuit Refugee Service). Cada congregação, com  sua especificidade, tem o seu papel na construção de um percurso que tem permitido a muitos beneficiários adquirir, com formação profissional, competências para ingressar no mercado de trabalho local, empregados numa empresa ou que abrem a própria microempresa.

 Abebech Tesfaje conta-nos que tinha um namorado que, quando ela ficou grávida, lhe disse: «Este bebé não é meu, podes matá-lo». Mas ela pensou: «É um dom de Deus. Não posso matá-lo. Assim, quando soube que as Irmãs da Madre Teresa me poderiam ajudar, fui-lhes pedir que me acolhessem».

As Missionárias da Caridade, na rede intercongregacional, cuidam da saúde, sobretudo das muitas mulheres deslocadas das zonas rurais da Etiópia ou devido à guerra que acaba de terminar na região do Tigray, mas também daquelas que são expulsas dos países árabes do Golfo para onde emigraram após experiências traumáticas. Muitas chegam a Adis Abeba com gravidez indesejada ou depois de serem abandonadas pelos seus companheiros, as religiosas assistem-nas gratuitamente no parto e conseguem convencer as jovens de que vão gostar de ter os seus filhos.

As mães e as crianças são acolhidas por alguns meses em estruturas como o Nigat Center, e de lá encaminhados, com a ajuda de assistentes sociais, para cursos de formação das religiosas salesianas (design de moda, assistência doméstica ou informática), pelos salesianos (trabalho com couro, carpintaria, design gráfico, soldadores, eletricistas e tipógrafos), pelas monjas ursulinas (confeção de vestuário) ou pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados (informática, restaurantes, cabeleireiro e manicure). Algumas destas congregações, como salesianas, salesianos e jesuítas, dedicam-se à colocação profissional dos formados, com o jrs que tem uma vasta experiência no apoio à criação de microempresas.

Migrantes e refugiados de outros países africanos, que se juntam aos mais de 4 milhões de habitantes da capital da Etiópia, em contínua expansão, também encontram um primeiro acolhimento no centro de refugiados jrs em Adis Abeba, como Herut Mobai, que nos conta que deixou a Eritreia porque queria «mudar a vida» da sua família, e para tal também se mudaria para a Europa. Mas se, no final do curso de cabeleireira no Beauty Training Center do jrs , ela conseguir abrir um pequeno negócio próprio no setor com a ajuda do projeto apoiado pelo jrs e se tiver sucesso, ela quer levar a família para a Etiópia, desistindo do arriscado sonho europeu.

Como ela, cerca de 62.000 eritreus chegaram a Adis Abeba, conta Solomon Brahane, diretor do Jesuit Refugee Service na Etiópia, principalmente por causa do conflito no Tigray, enquanto outros 11.000 são migrantes iemenitas, sudaneses, sul-sudaneses, congoleses e outras nacionalidades.

Desde 2017, o governo saudita iniciou uma política de repatriação e expulsão de refugiados da Etiópia — explica Solomon Dejene, responsável do projeto jrs na Etiópia. Assim a cada mês, cerca de 40 mil etíopes retornam da Arábia Saudita. A maior parte deles não têm mais nada. O governo dá-lhes uma pequena soma de dinheiro para voltarem para casa, mas muitos ficam na cidade. Estamos a acolhê-los para lhes oferecer novas possibilidades, formando-os com a ajuda das diversas congregações.

Foi o que aconteceu com Jerusalém, de regresso à Etiópia depois de uma dolorosa experiência num país árabe do Golfo, que encontramos no centro de Nigat, estrutura salesiana cedida às Missionárias da Caridade, inaugurada em outubro de 2022, que acolhe 38 mulheres deslocadas com os seus filhos. «O pai da minha filha e toda a minha família me deixaram sozinha — conta-nos — mas agora tenho uma grande família, o jrs , que me dá amor e carinho. Eu tenho meu próprio trabalho, moro com os meus amigos, posso sustentar a minha família com os meus rendimentos, e por isso me sinto muito feliz». Aos amigos que ainda trabalham na Arábia, Jerusalem aconselha a «voltar para a Etiópia e começar lá uma nova vida. E também para aqueles que vivem no meu povoado aqui na Etiópia, que realmente sofre com a pobreza».

No Mary Help College Jerusalem e muitas jovens mães do Nigat Center estudaram ou ainda estudam corte e costura, assistência doméstica e informática. As irmãs salesianas acolhem no seu jardim de infância os filhos de alunas e ex-alunas, que são muito procuradas pelas muitas empresas de vestuário em Addis Abeba, como confirmado por Lydija Worku, proprietária da Emmanuel Garment. «Quem se forma no Mary Help College adquire muitas competências — explica — por isso nos unimos às irmãs salesianas neste projeto. Já contratamos nove funcionários formados pelo projeto, mas precisaríamos de pelo menos quarenta».

Outro centro de formação no setor do vestuário é o Colégio Sitam das Irmãs Ursulinas, onde conhecemos Bethlehem Samuel, migrante interna da Bole Subcity, mãe de quatro filhos, que depois de se ter formado iniciou a sua atividade com a ajuda da autoridade local. «Deram-me amor, deram-me competências e conhecimentos — conta-nos — a única palavra que tenho é “obrigado”. Se eu tivesse um apoio financeiro para comprar máquinas de costura e principalmente os materiais de consumo, poderia expandir o meu negócio e também dar trabalho a outras pessoas que se estão a formar».

No Centro Infantil Dom Bosco, por fim, somos acolhidos por Samuel Dejene, um jovem de dezanove anos que vivia na rua, «num lugar chamado Mexico, aqui em Addis Abeba», disse “sim” ao Pe. Angelo Regazzo, «que vai todos os dias procurar crianças de rua, quando me encontrou disse-me: vem comigo ver o que a gente está a fazer. Ele trouxe-me para cá e durante um mês segui o programa “Vinde ver”. Depois desse primeiro contacto, Samuel decidiu fazer o curso de corte de couro, e há pouco mais de um mês trabalha numa empresa, graças à ajuda do gerente de empregos salesiano.

No centro São Miguel, que abriga os escritórios da comissão sociopastoral da Arquidiocese de Adis Abeba, os responsáveis das várias congregações envolvidas no projeto se reúnem para avaliar como passar de uma fase experimental para uma mais estável. Foi ainda assinado um acordo com um banco e outra instituição financeira para a concessão de microcrédito a migrantes que queiram iniciar o seu próprio negócio.

Ali encontramos o responsável pela comissão, Pe. Petros Berga, que nos recorda como antigamente «cada congregação, com o próprio centro de formação, trabalhava apenas individualmente». Mas agora, «graças a esse programa de consórcio gsf , estão a trabalhar juntas e estão mais fortes do que antes. Conseguimos formar mais de 1500 jovens e mais de 70 por cento conseguiram trabalho neste período do projeto».

Foi criado o polo unitário de formação, «o polo de colocação profissional e depois o polo de criação de emprego e autoemprego. Mas também o centro de saúde». O Pe. Berga está convencido de que é importante continuar «este bom trabalho em benefício dos jovens e das mulheres que precisam da nossa ajuda. É um projeto importante, porque salva vidas. O governo e outras instituições, juntamente com as empresas que estamos a contactar, apoiam muito o projeto porque damos uma excelente formação a estes jovens e mulheres. Na próxima fase, esperamos um programa de três anos, com a ajuda do gsf queremos formar 10.000 beneficiários».

Alessandro Di Bussolo
de Adis Abeba


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