Com a ajuda de organizações da Igreja católica três migrantes realizam os seus sonhos na Espanha

Com a ajuda de organizações da Igreja católica três migrantes realizam os seus sonhos na Espanha

 Com a ajuda de organizações da Igreja católica   três migrantes realizam os seus sonhos na Espanha  ...
15 fevereiro 2024

«Faremos o que for preciso para que ela vá em frente!», disse o padre Gabriel Delgado à sua equipe em tom perentório quando, em 2019, soube da história de Fatoumata Baldi, uma jovem de 20 anos que tinha deixado a Guiné Conacri com destino à França. A jovem tinha acabado de cruzar a fronteira entre Marrocos e a cidade espanhola de Ceuta quando o motorista do carro em que ela viajava perdeu o controle do veículo e bateu contra um muro. Havia seis mulheres jovens que se tinham escondido, a pagamento, no carro especialmente equipado para transportar migrantes. Fatoumata entrou num espaço ao lado da estrutura metálica do veículo e ficou presa nos destroços de tal forma que, para a libertar, tiveram que amputar a sua perna direita do joelho para baixo.

Assim, mulher, subsariana, sem documentos e deficiente, a migrante tinha tudo contra ela no seu plano de um futuro promissor. No entanto, o padre Gabriel, que era responsável pela Secretaria para as migrações da diocese de Ceuta e Cádis, conseguiu transferi-la para o hospital em Cádis, onde ela permaneceu por oito meses e foi submetida a doze cirurgias. Durante a sua longa convalescença, recebeu visitas diárias de Pepita, uma voluntária que, ao mesmo tempo em que lhe fazia companhia e lhe ensinava espanhol, tornou-se como uma mãe adotiva para Fatoumata. Juntamente com Pepita, a jovem passou pelo difícil processo de reabilitação, concluiu o ensino médio e conheceu as religiosas de Maria Imaculada, que a acolheram com carinho num lar para jovens estudantes.

Ela não conseguiu realizar o seu plano, que era chegar à França, onde se encontraria com um primo distante que a tinha pedido em casamento; no entanto, quando soube do acidente, decidiu esquecê-la. Talvez isso tenha sido providencial, pois as pessoas que a ajudavam suspeitavam que esse parente desconhecido fazia parte de uma rede de tráfico de pessoas. Atualmente, Fatoumata tem uma autorização de residência, estuda administração de empresas no centro de formação profissional Maria Imaculada, mantém contacto constante com a sua família e já tem um namorado há vários meses.

A determinação do padre Gabriel deu bons frutos, embora não os tenha visto, pois faleceu em Cádis no dia 12 de novembro de 2021, depois de ter dedicado a sua vida a dar dignidade aos pobres, com uma clara preferência pelos migrantes. A sua figura profética é lembrada por todos os lugares da fronteira meridional da Espanha.

Outra grande obra de Gabriel Delgado foi a Associação Cardijn, que fundou em 1993 e para a qual Martial Tsatia trabalha como guia e supervisor de migrantes recém-chegados à Espanha, na sua maioria jovens. Ele acompanha-os desde o momento em que acordam, se preparam e cuidam da limpeza do apartamento onde moram temporariamente, e depois atribui-lhes tarefas que devem realizar durante o dia, além de frequentarem a aula obrigatória de espanhol.

Martial é de origem camaronesa e em 2016 decidiu tentar a sorte na Espanha, mas durante a viagem, ao atravessar de Marrocos para Ceuta, na tentativa de cruzar a grande barreira que separa os dois países, caiu de uma altura de dez metros e fraturou o braço direito. Ferido e sem assistência médica, passou oito meses procurando atravessar o Estreito de Gibraltar até que conseguiu entrar numa embarcação que o deixou na cidade espanhola de Tarifa. Assim que desembarcou, a polícia prendeu-o e o jovem passou três semanas num centro de internação para estrangeiros, de onde Juan Carlos Carvajal, que trabalha para a Associação Cardijn e agora é seu amigo, o conseguiu tirar.

Enquanto recebia tratamento médico para se recuperar, Martial dedicou-se a aprender espanhol e a formar-se. Procurou trabalhar nos campos da região de Almeria, mas desistiu devido à grave exploração a que foi submetido. Depois, trabalhou como cozinheiro e agora, com a documentação em dia, foi contratado pela Cardijn onde, além de supervisionar os migrantes, faz um verdadeiro trabalho de acompanhamento humano. «Conto a minha história, que não foi fácil. Sempre lutei, aprendendo com tudo. É preciso mover-se, estudar, procurar contactos, conhecer pessoas e ver as oportunidades que se pode ter. É preciso ser sempre otimista», diz Martial, hoje com 30 anos.

A sua experiência hoje permite que ele trate os migrantes com compaixão, com os quais passa muitas horas por dia, acompanhando-os ao médico ou ao psicólogo, participando com eles de oficinas socioculturais ou simplesmente desfrutando de um jogo de futebol. Tudo isso enquanto espera que cada um deles encontre o seu caminho.

Saleha Mohamed Chanhih nasceu em Melilla, na Espanha, filha de pais que emigraram de Marrocos. Devido a problemas familiares, quando tinha 16 anos, os tribunais colocaram-na num centro juvenil, mas quando atingiu a maioridade, foi forçada a sair. No entanto, abriu-se para ela uma porta do outro lado do Mediterrâneo. Em Cádis, as Irmãs Franciscanas do Rebanho de Maria ofereceram-lhe um lugar na sua casa para jovens, onde vivem várias jovens em relação às quais essas religiosas exercem um verdadeiro papel maternal. Saleha está lá há um ano e adaptou-se facilmente, apoiada por uma equipe de profissionais que cuidam de jovens em risco de exclusão social.

A irmã Rosario Hidalgo, superiora-geral da Congregação, explica que a sua missão é acompanhar as jovens a fim de que possam construir um futuro para si mesmas, mas que, para isso, também é necessário curar suas feridas mais profundas. «Elas chegam bastante traumatizadas. Às vezes, há até máfias por trás», adverte a religiosa, referindo-se aos riscos que as mulheres migrantes correm quando se deparam com grupos que se dedicam ao tráfico humano e as escravizam com trabalhos forçados ou prostituição.

Mas esse não foi o destino de Saleha. Na verdade, o seu processo de adaptação foi rápido porque ela pôde contar com o apoio de uma equipe multidisciplinar. Hoje, com 19 anos, está a fazer um curso de educação física para obter um primeiro diploma técnico que lhe permitirá encontrar um emprego a curto prazo ou continuar os seus estudos. Além disso, ela fez da sua condição de filha de migrantes um ponto forte para o seu desenvolvimento e relações sociais, uma verdadeira riqueza para si mesma e para o seu futuro. «É um grande aprendizado, porque conhecemos culturas e opiniões diferentes e passamos a ver tudo de forma diferente. Isto é algo que me ajudou e me beneficiou», diz Saleha, orgulhosa das suas raízes estrangeiras.

#voicesofmigrants

Felipe Herrera-Espaliat
de Cádis