· Cidade do Vaticano ·

Organizações da Igreja na Espanha e em Marrocos

Para aliviar o sofrimento
dos migrantes

 Para aliviar o sofrimento dos migrantes  POR-019
08 maio 2024

Organizações de inspiração católica implementam uma série de programas sociais em Ceuta e Algeciras, auxiliando aqueles que chegam da África e entram na Europa. Um dos maiores desafios é a luta contra o tráfico humano, que expõe as mulheres à prostituição forçada.

Ceuta é uma cidade espanhola, mas está localizada na África, no norte de Marrocos, próxima ao Estreito de Gibraltar. É um território estratégico não apenas para a Espanha, mas também para os milhares de migrantes africanos que tentam entrar nela todos os anos, pisando na Europa pela primeira vez. Mas desde 2020, quando o acesso à fronteira foi severamente restringido, criando obstáculos consideráveis no caminho do fluxo humano, tudo se tornou muito mais difícil. 

Uma barreira de 8 km de comprimento e dez metros de altura funciona como uma fronteira entre os dois países, uma barreira que centenas de pessoas tentam escalar todos os dias. Muitos conseguem, mas são presos e imediatamente deportados de volta para Marrocos ou, no melhor dos casos, são levados para centros de detenção para estrangeiros. Outros, correndo mais riscos, contornam esse muro, nadando por uma média de quatro horas da costa marroquina até às margens de Ceuta. Aqueles que não morrem nessa tentativa, chegam exaustos, encharcados e sem nada, tremendo não só de frio, mas também de medo de serem descobertos pela polícia.

Mas os riscos não terminam aí, especialmente para as mulheres que, muitas vezes enganadas com falsas promessas de trabalho, caem nas mãos de redes de tráfico humano que as forçam a se prostituir. Assim, elas acabam vivendo em apartamentos que são, ao mesmo tempo, seus alojamentos e o bordel do qual só podem sair por algumas horas por dia, sob o controle estrito da máfia que as sequestrou.

Dupla vulnerabilidade


Mas as organizações da Igreja católica que lutam contra o tráfico humano também operam em Ceuta, como a Fundação Cruz Blanca. Entre seus muitos programas de assistência aos mais necessitados e migrantes estão iniciativas para resgatar mulheres que foram forçadas a se prostituir. Durante as visitas aos prostíbulos levam suprimentos médicos e, ao fazê-lo, estabelecem relações com elas.

Irene Pascual, mediadora social dessa instituição, conhece de perto as vítimas do tráfico. Ela acompanha pessoalmente muitas delas para dar-lhes orientação e apoio para que possam sair dessa situação. Contudo, a mediadora social diz que não é nada fácil, porque os cafetões se aproveitam uma vez que estas mulheres não falam o idioma local e não têm redes de apoio. «A mulher tem uma dupla vulnerabilidade: ser migrante e ser mulher. As mulheres não veem outra saída quando chegam a um país que não conhecem. A única maneira que elas veem para sobreviver é exercer a prostituição», explica Irene.

Segregação em “El Príncipe”


Essa fundação, com 20 centros de atendimento na Espanha, é dirigida pela comunidade religiosa dos franciscanos da Cruz Blanca e gerenciada por equipes altamente qualificadas para enfrentar os desafios do risco social e da atual crise migratória. «Os migrantes chegam com necessidades muito diferentes, e os vários profissionais ajudam a identificar essas necessidades específicas. Nós, irmãos, nos unimos a eles e estamos dispostos a trabalhar 24 horas por dia, diariamente. E tudo isso por amor a Deus», assegura o irmão Cosmas Nduli Ndambuki. 

A sede dessa organização em Ceuta fica no bairro “El Príncipe”, considerado uma das áreas mais perigosas não só da cidade, mas de toda a Espanha. Fica muito próximo à fronteira e habitado quase inteiramente por muçulmanos de Marrocos, que encheram a área de mesquitas.  Entre essa população está a maior concentração de pessoas sem documentos, que não podem trabalhar legalmente nem mesmo ter acesso a benefícios sociais. É o caso de Omar Layadi, um barbeiro que vive no local há 16 anos. Como nem ele, nem sua esposa têm permissão de residência, tampouco o filho de três anos nascido aqui, que não possui sequer uma nacionalidade, pois não há consulado marroquino em Ceuta. Apesar de tudo, Omar diz que prefere ficar nessas condições na Espanha a voltar para Marrocos. «O trabalho e a vida são melhores aqui. Tenho muitos amigos, muitos clientes e minha família. Tenho tudo aqui», afirma o migrante.

Um pouco mais privilegiado foi Nayat Abdelsalam, espanhola de origem marroquina e líder social muçulmana que trabalha com a Igreja católica para enfrentar a crise migratória. Como moradora de “El Príncipe”, ela conhece de perto as necessidades de seus vizinhos e luta por políticas que combatam a segregação territorial a que os muçulmanos foram submetidos, bem como a falta de direitos sociais.  «Aqueles que não regularizaram sua situação, não têm ajuda. Eles podem ter acesso a um banco de alimentos oferecido pela Igreja, ou a uma refeição, mas não há ajuda, projetos ou programas para esse tipo de pessoa», denuncia Nayat.

Migrantes cada vez mais jovens


Atravessando o Estreito de Gibraltar, a 44 km de distância, está o porto de Algeciras, onde outra equipe da Fundação Cruz Blanca oferece apoio àqueles que já entraram no continente europeu, mas continuam vulneráveis. Há pouco mais de um ano, eles acolheram Abdeslam Ibn Yauch, um marroquino de 31 anos que trabalha como pintor e operário, uma profissão que ele espera exercer na Espanha quando tiver a permissão de residência. Nesse meio tempo, ele está fazendo cursos técnicos e auxiliando os migrantes que chegam, a maioria deles jovens. «Os migrantes agora são muito jovens, e a preocupação deles é trabalhar para ajudar no sustento da mãe. Acho que a ferida mais profunda que eles carregam consigo é ter deixado a família», explica a educadora social Mayte Sos, ao descrever o tipo de migrante que chega à Cruz Blanca. 

Ali também foi resgatada Awa Seck, uma senegalesa de 42 anos que vive há muito tempo na Mauritânia por motivos de trabalho. Há três anos, ela decidiu migrar para mais longe de sua família e chegou a Algeciras, na esperança de encontrar um emprego que facilitasse o fornecimento de alimentos, roupas e educação para seus filhos, que permaneceram no Senegal com sua mãe. «Vim para cá para mudar minha vida, a fim de encontrar um bom emprego», explica Awa, orgulhosa por estar atingindo seus objetivos. Hoje ela tem uma permissão de residência, além de um emprego no setor de culinária, e está economizando dinheiro para que sua família venha morar com ela. 

Tanto em Ceuta como em Algeciras, aqueles que fazem parte das equipes interdisciplinares da Cruz Blanca sabem que sua missão vai muito além da mera assistência jurídica, sanitária ou social aos migrantes. Os profissionais e voluntários tentam, acima de tudo, dar dignidade àqueles que pedem ajuda, muitas vezes de forma desesperada. Suas histórias de vida estão carregadas de traumas vividos em seus países de origem e da dor da separação de seus entes queridos, mas também da esperança de um futuro melhor. O irmão Giovanni Alseco, um franciscano da Cruz Blanca, enfatiza que o grande objetivo dessa fundação é ser uma família que acolhe, acompanha e transforma. «Colocamos em prática o Evangelho do Bom Samaritano, sempre a serviço total dos mais necessitados, e sempre tentamos encher a vida dos outros de alegria», conclui o religioso.

Felipe Herrera-Espaliat
enviado especial
a Ceuta e Algeciras


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