· Cidade do Vaticano ·

Rumo ao Jubileu
4. A PORTA SANTA

O limiar da misericórdia
e do perdão

 O limiar da misericórdia  e do perdão  POR-023
06 junho 2024

«Posso mostrar-te os troféus dos apóstolos. Pois se quiseres ir ao Vaticano ou a caminho de Óstia, encontrarás neles os troféus daqueles que fundaram esta Igreja» (Eusébio de Cesareia, Storia Ecclesiastica, 2, 25, 6-7).

Com estas palavras, transmitidas por Eusébio, bispo de Cesareia, o sacerdote Gaio, por volta do ano 200 d. c ., durante o pontificado do Papa Zeferino, convidou o herege Proclus a visitar, juntamente com o túmulo de Paulo, o túmulo de São Pedro no Vaticano. Um pequeno monumento definido pelo termo grego tropaiòn, ou “monumento da vitória”: um nome pomposo que se refere ao monumento de alguém que venceu a morte através da profissão de fé e do martírio, mas na realidade um nome que se refere a uma pequena edícula funerária construída 100 anos após a morte de São Pedro, contra uma parede rebocada de vermelho, na qual um peregrino anónimo escreveu algumas letras gregas, mas significativas: Pétros enì (Pedro está aqui), ou, ainda na perspetiva da presença de Pedro, Pétros enì [réne] (Pedro em paz) [Figura 1]. Esta edícula era, portanto, já no século ii , o destino cobiçado pelos primeiros peregrinos que vinham a Roma junto da sepultura do apóstolo Pedro no Vaticano.

Desde então, a peregrinação ad limina Petri nunca sofreu interrupções, pelo contrário, foi aumentando progressivamente, sobretudo nos anos jubilares.

Cem anos após a construção do “Troféu” mencionado pelo sacerdote Gaio, foi construída uma pequena sala dedicada ao culto petrino junto à edícula. Uma sala com paredes rebocadas onde os peregrinos, entre o final do século iii e o início do século iv , gravavam os seus nomes em latim, juntamente com o cristograma e as iniciais de Pedro. O chamado “muro de grafitos”, ainda visível sob o altar-mor, é um testemunho eloquente deste costume ligado à peregrinação e à devoção a São Pedro.

Com o passar dos anos, foi aumentando o número de fiéis que se deslocavam a Roma para se reunirem em oração na humilde sepultura de São Pedro, não muito longe do Circo Vaticano, onde ele tinha sofrido o martírio no décimo ano do principado de Nero. Assim, a edícula funerária do século ii e o “muro de grafitos” sobre a venerada sepultura petrina foram encerrados por Constantino num “sepulcro-monumento”, revestido de mármore precioso, que ainda hoje se conserva parcialmente. Um monumento assim recordado por Eusébio de Cesareia no ano 333: «um esplêndido sepulcro em frente da cidade, um sepulcro ao qual acorriam, como a um grande santuário e templo de Deus, inúmeras multidões de todas as partes do império romano» (Eusébio de Cesareia, Teofania, 47). [Figura 2].

Na venerada sepultura apostólica, destino cobiçado de peregrinações devotas, o imperador Constantino e o Papa Silvestre quiseram construir uma magnífica basílica dividida em cinco naves por 88 colunas; uma basílica grande, enorme, o maior templo cristão da época. Basta dizer que foi construída num terraço artificial de cerca de dois hectares, deslocando enormes quantidades de terra, enterrando uma necrópole ainda em uso e erguendo poderosas paredes de fundação. Uma obra verdadeiramente extraordinária!

A essa basílica afluíam em cada época fiéis de todas as partes do mundo, como atestam as numerosas moedas (quase 2000) encontradas durante as famosas Explorações sob a Confissão de São Pedro no Vaticano. Ofertas modestas de peregrinos anónimos, muitos dos quais eram certamente hóspedes dos albergues e das “scholae peregrinorum” (albergarias para peregrinos) que surgiram na Idade Média em volta da antiga basílica: a “Schola Saxorum”, que mais tarde se tornou a “Schola Anglorum”; a “Schola Francorum”, a “Schola Longobardorum”, a “Schola Frisonum” e, mais tarde, a “Schola Ungarorum”. Como testemunho destas “scholae” permanece hoje, em frente à praça dos Protomártires Romanos no Vaticano, a hospedaria eclesiástico do “Camposanto Teotonico”, com o lugar de eterno repouso dos católicos alemães à sombra da cúpula que se ergue imponente e grandiosa sobre o túmulo de Pedro.

A primeira basílica petrina, no século iv , nasceu grande, certamente maior de quanto podia servir na altura, e isso deveu-se a uma procurada “vocação para a hospitalidade” que também inspirou os papas do Renascimento na construção da nova basílica de São Pedro. [Figura 3].

A atual basílica ocupa, de facto, uma área de mais de dois hectares — 22.000 metros quadrados, para ser mais claro — e recebe hoje uma afluência de peregrinos e visitantes que se aproxima cada vez mais (ou ultrapassa) os 50.000 por dia. Assim, a Basílica de São Pedro — tanto a antiga como a nova — foi concebida desde o início para acolher — como escreveu Eusébio de Cesareia — «inúmeros multidões provenientes de todo o mundo».

Um acolhimento reservado a todos: pessoas de qualquer idade e proveniência, de todas as religiões e sem religião. Um acolhimento que o Papa Alexandre vii Chigi (1655-1667) quis traduzir num abraço simbólico na cénica Praça de São Pedro. No seu magnífico hemiciclo com colunatas, que se abrem em arco Urbi et Orbi (a Roma e ao Mundo), é de facto o abraço da Igreja guiada pelo Papa, sucessor de Pedro, mas é também o convite para entrar na basílica dirigido a cada um de nós pela eleita multidão de santos escolhidos, cujas estátuas gigantescas — precisamente 140, com mais de três metros de altura! — sobressaem no topo da colunata, composta por 284 colunas dispostas em quatro filas, com 16 metros de altura (como um edifício de cinco andares!). Um convite a entrar na “Casa de Pedro”, na «santa morada do apóstolo, mãe, esplendor e orgulho de todas as igrejas», como se lia na inscrição que o Papa Inocêncio iii (1198-1216) quis compor no renovado mosaico absidal da antiga basílica, mas também um convite a tornar-se “pedras vivas” da Igreja de Cristo, a empreender um caminho interior, a viver a própria vida segundo o Evangelho e seguindo o exemplo dos santos.

Mas é sobretudo a porta central de São Pedro, que marca fisicamente a entrada do templo do Vaticano, que evoca um ulterior e explícito apelo ao acolhimento. Nessa porta de bronze do século xv (com quase 8 metros de altura), que já abria para a grande nave da antiga basílica, encontramos os apóstolos Pedro e Paulo, com roupas orientais por baixo das vestes e estão circundados de inscrições latinas, árabes, judaicas e arménias, significando que a basílica — tanto a antiga como a nova — sempre foi um lugar de acolhimento para todos os povos da terra.

E também no pórtico, ou melhor, no espaço sagrado entre o abraço da grande praça e a vastidão da basílica, está murada a inscrição da proclamação do primeiro Jubileu da história. Um Jubileu nascido num clima de forte fervor religioso e de aumento do afluxo de peregrinos a São Pedro. A epígrafe tem a data de 22 de fevereiro de 1300, festa da Cátedra de São Pedro, quando o Papa Bonifácio viii (1294-1303), durante uma celebração solene na basílica do Vaticano, anunciou a indulgência plenária «a todos aqueles», diz a inscrição, «que no presente ano de 1300, que acaba de começar com a festa da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, e em qualquer outro centésimo ano que se seguir, entrarem nas referidas basílicas (as de São Pedro e de São Paulo) com reverência, verdadeiramente arrependidos e confessados, e àqueles que verdadeiramente se arrependerem e confessarem no presente centésimo ano e em qualquer centésimo ano futuro, concedemos não só o pleno e muito amplo, mas aliás o pleníssimo perdão de todos os pecados (...)». [Figura 4].

Algumas décadas mais tarde, a sequência dos Jubileus foi reduzida para 50 anos por Clemente vi (1342-1352) e Urbano vi (1378-1389) diminuiu-a para 33, em referência aos anos da vida de Cristo, mas no início do século xv estabeleceu-se a tradição — ainda hoje em vigor — de celebrar o Jubileu de 25 em 25 anos, cadência formalmente ratificada em 1470 pelo Papa Paulo ii Barbo (1464-1471). Em 1500, Alexandre vi Borgia (1492-1503) quis que as Portas Santas das quatro basílicas fossem abertas ao mesmo tempo, reservando para si a abertura da Porta Santa de S. Pedro, que renovou.

Mas quando foi introduzida a Porta Santa na basílica do Vaticano?

Já no século xvii , Giacomo Grimaldi (1568-1623), clérigo beneficiado e arquivista do Cabido do Vaticano, admitiu com pesar não ter encontrado documentos sobre o assunto. Estudos recentes e bem fundamentados de Antonella Ballardini colocam a introdução de uma Porta Santa em S. Pedro com o Papa Nicolau v Parentuccelli (1447-1455), o Pontífice culto e empreendedor que celebrou o Grande Jubileu de 1450. Foi então acrescentada uma sexta porta à fachada da antiga basílica, uma porta pequena (“Porta parvula”) e dourada (“Porta aurea”), uma porta murada e sem batentes que só se abria nos aniversários dos anos jubilares. Esta porta dava para a nave norte da basílica velha, no interior do antigo oratório de João vii (705-707), onde se encontrava o altar da Mãe de Deus (Theotokos) e o venerado altar da Sagrada Face. Esta porta parvula e de ouro foi reproduzida pelo Beato Angélico na Capela Nicolina [Figura 5] e foi substituída em 1499 por uma nova “Porta Santa” no espaço do referido altar da Mãe de Deus retirada pelo Papa Sisto iv Della Rovere (1471-1484) na véspera do Jubileu de 1475.

Na nova basílica, manteve-se a localização da Porta Santa, na fachada interior, na extremidade norte do átrio. Tal como na antiguidade, esta última porta (apenas de entrada e não de saída) é deliberadamente mais pequena e estreita: «Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição (...)» (Mt 7, 13-14; cf. Lc 13, 23-24; Sl 118, 20).

Segundo a tradição, esta porta continuou a ser murada no final de cada Ano Santo: ordinário, isto é, ligado a um prazo pré-estabelecido, ou extraordinário, se proclamado para algum acontecimento de particular importância. [Figura 6].

Foi apenas para o Jubileu de 1950 que se decidiu fazer os dois batentes de bronze para delimitar a abertura da Porta Santa de São Pedro, não de forma permanente, mas só nas horas noturnas durante o Ano Santo. Foi de facto S. Paulo vi , no final do Jubileu de 1975, que dispôs a colocação permanente dos dois batentes de bronze que hoje admiramos, mudando assim o ritual da abertura e do fechamento da Porta Santa e dando importância já não ao abatimento e elevação da parede de tijolo, mas ao gesto simbólico da abertura e do fechamento da Porta pelo Papa. [Figura 7].

Anteriormente, o rito de abertura da Porta Santa consistia em abater a parede composta por centenas de tijolos empilhados uns sobre os outros sem cal, com o brasão da Fábrica de São Pedro, a data e o nome do Pontífice que tinha fechado a porta. Depois dos três golpes simbólicos de martelo infligidos pelo Papa na parte da frente do muro [Figura 8], o muro era “abatido” graças às hábeis manobras dos “Sanpietrini” que tinham previamente engaiolado o muro numa estrutura de madeira especial preparada para o efeito.

A origem dos batentes de bronze da Porta Santa situa-se entre a primeira e a segunda fase do concurso para a construção das três portas maiores da Basílica de São Pedro, lançado em julho de 1947, na sequência da vontade testamentária e de uma doação do Príncipe Jorge da Baviera, sacerdote e cónego ordinário da basílica († 1943). Nessa altura, de facto, com exceção da Porta de Filarete, as grandes portas da basílica eram ainda de madeira e de acabamentos muito modestos. No entanto, nenhum dos oitenta esboços apresentados foi considerado adequado pela Comissão Examinadora presidida pelo Cardeal Arcipreste da basílica, que decidiu então atribuir uma medalha de ouro aos doze artistas que se tinham distinguido nesta primeira fase do concurso, convidando-os para uma segunda prova.

Monsenhor Ludovico Kaas, secretário ecónomo da Reverenda Fábrica de São Pedro e secretário da Comissão do concurso, decidiu confiar — por encomenda direta e fora de concurso — a realização dos dois novos batentes de bronze para a Porta Santa ao escultor de Siena, Vico Consorti (1902-1979), um dos artistas inscritos no concurso para as portas da basílica vaticana.

Foi ainda Monsenhor Ludovico Kaas que escolheu o tema da Porta e os episódios a representar em cada um dos painéis, inspirado nas expressões sugeridas por Pio xii na sua oração: «Concede-me, Senhor, que este Ano Santo seja o ano do grande regresso e do grande perdão» e apoiado por vários conselheiros, em primeiro lugar Monsenhor Arthur Wynen. [Figura 9].

Realizada em 1949, em 9 meses de trabalho contínuo e exigente, também na Fundição Fernando Marinelli, a Porta é composta por 16 baixos-relevos em bronze dourado que representam episódios do Antigo e do Novo Testamento, realçados por inscrições e 12 painéis com os brasões dos Papas que celebraram o Jubileu: de Bonifácio viii ao Papa Francisco.

Uma porta capaz de “falar” às pessoas através de admiráveis baixos-relevos que — como escreveu o Cardeal Angelo Comastri — «fotografam a história da Misericórdia de Deus, que vem continuamente ao nosso encontro: a Porta Santa é um símbolo, que dá visibilidade a estas palavras de Jesus: “Eu sou a porta: se alguém entrar por mim, será salvo” (Jo 10, 9)».

Pietro Zander
Responsável pela Secção Necrópole e Património Artístico da Fábrica de São Pedro