· Cidade do Vaticano ·

Em conversa com o patriarca de Jerusalém dos latinos

Ao lado de quem trabalha pelo bem

 Ao lado de quem trabalha pelo bem  POR-026
27 junho 2024

«Omomento é muito doloroso, vivemos uma noite deveras longa. Mas também sabemos que as noites acabam. Este é o momento em que a Igreja deve trabalhar com todos aqueles que estão dispostos a fazer algo de belo e de bom por todos...». O cardeal patriarca de Jerusalém dos latinos, Pierbattista Pizzaballa, de passagem por Roma, fala aos meios de comunicação do Vaticano sobre a situação em Israel, Gaza e Cisjordânia.

Qual é a situação atualmente em Israel e, sobretudo, em Gaza?

A situação não mudou muito em relação ao passado recente, com altos e baixos. Gaza está atualmente dividida entre o norte e o sul, Rafah e a cidade de Gaza. Houve uma altura em que, especialmente no norte, chegava mais ajuda humanitária. Agora voltou a ser um pouco complicado. Há falta de carne, por exemplo. A água é problemática e digamos que, em geral, a situação continua muito deteriorada e é realmente difícil ver uma saída. Não me parece que as negociações estejam a dar algum fruto e que haja uma verdadeira vontade das partes de chegar a uma conclusão. E é isso que se percebe, tendo também em conta a frente libanesa que se torna cada vez mais acesa. As perspetivas não são propriamente animadoras.

Quantas são as vítimas? Há quem discuta os números que são fornecidos, mas as imagens que nos chegam mostram destruição...

Destruição total. A cidade de Gaza está totalmente destruída e há muitas vítimas. É difícil dar números, mas são muitas. Isto é evidente. É um facto que há sempre muitas vítimas civis.

Como se pode reconstruir o tecido social e a coexistência tendo em conta o que aconteceu, mas ao mesmo tempo superando o que se verificou?

Penso que é muito cedo para falar sobre isso, agora que a guerra está em curso e há traumas. Será preciso tempo para compreender a dimensão do trauma que atingiu todos e as suas consequências. É evidente que a reconstrução terá de ser efetuada. Há uma vontade de reconstrução, apercebi-me disso muito claramente. Mas como, com que critérios e com quem? Ainda é muito cedo para o dizer.

E a situação na Cisjordânia?

A Cisjordânia está sempre à beira de uma explosão, os problemas são contínuos, praticamente diários, sobretudo nalgumas zonas a norte, nas zonas de Jenin e Nablus. Os confrontos entre colonos e aldeões árabes são contínuos, o que cria uma situação de desgaste que não conduzirá a nada de positivo.

Mencionou anteriormente a abertura da frente norte. Assistimos a um debate muito aceso em Israel sobre as perspetivas futuras. O que se pode esperar?

O debate interno existe em Israel e existe também no Líbano: ninguém quer a guerra, mas ninguém parece ser capaz de a impedir e é esse o problema. É certo que se a frente norte se abrir, será uma tragédia, sobretudo para o Líbano, que corre o risco de se tornar outra Gaza, pelo menos na parte sul. Não sou especialista em assuntos militares, mas o cenário continua muito tenso, sempre à beira de uma nova escalada.

Como é a vida dos cristãos num tal contexto?

Os cristãos não são um povo à parte, vivem o que toda a gente vive. Infelizmente, conhecemos a situação em Gaza, mas também é muito problemática na Cisjordânia, sobretudo do ponto de vista económico. Há uma situação de paralisia, há pouco ou nenhum trabalho, e isso torna as perspetivas de emigração cada vez mais atrativas, infelizmente, sobretudo para os cristãos.

Olhemos para o depois, para o fim guerra. O que poderia fazer a comunidade internacional? Quem poderia ajudar mais a alcançar a paz?

Alcançar a paz, neste momento, parece um objetivo demasiado distante. Agora, a política, a comunidade internacional, deve trabalhar sobretudo para pôr termo ao conflito. Trabalhar pela paz e chegar a perspetivas políticas mais sérias levará certamente muito tempo. A comunidade internacional tem de encontrar uma forma de fazer com que Israel e o Hamas ponham fim ao conflito e cheguem a um cessar-fogo que represente um primeiro passo para algo mais substancial, sólido e estável.

O resultado das próximas eleições americanas também vai pesar neste panorama...

As eleições americanas certamente terão influência. No entanto, penso que as soluções devem ser encontradas no local. Entre as duas partes. Entre Israel e o Hamas.

É possível fazer chegar as ajudas a Gaza?

O Patriarcado Latino está também a trabalhar para que as ajudas cheguem. O primeiro stock de algumas toneladas de alimentos e bens de primeira necessidade deverá chegar nas próximas horas. Há muito trabalho a fazer, são mais de dois milhões de pessoas.

Como vê o patriarca de Jerusalém dos latinos o que acontece agora? Qual é o olhar do homem de fé perante tudo isto?

A esperança é filha da fé. O momento é muito doloroso, estamos a viver uma noite muito longa. Mas também sabemos que as noites acabam. Este é o momento em que a Igreja deve estar presente no território, estar próxima, trabalhar com todos aqueles que estão dispostos a fazer algo de belo e de bom por todos. Quando todos erguem barreiras uns contra os outros, a Igreja deve continuar a ter sempre a mão estendida para o outro. É esta a nossa tarefa que nasce da nossa experiência de fé, é isto que somos chamados a fazer neste momento.

Sente-se acompanhado pela Igreja universal?

Sim, o Santo Padre esteve sempre muito próximo de nós e continua a estar muito próximo. Tal como muitas dioceses de todo o mundo.

Andrea Tornielli