Exposição sobre a revolução dos cravos em Portugal

Aquela madrugada que todos esperavam

Giovani soldati ricevono l'omaggio floreale da una bambina.
18 julho 2024

Lisboa, são 00h20 de 25 de abril de 1974. A estação da rádio Renascença transmite inesperadamente a canção Grândola, Vila Morena do cantor e compositor José Afonso: uma música antifascista, proibida pelo regime no poder durante 48 anos. É o esperado sinal para dar início às operações militares que, em breve e sem violências, levarão ao fim da ditadura iniciada pelo general António Óscar Carmona em 1926 e tornada ainda mais dura por António de Oliveira Salazar, que lhe sucedeu em 1932. Ainda de noite, os soldados procedem à detenção dos altos oficiais fiéis ao regime, ocupando lugares estratégicos como o aeroporto e a prisão política. A população começa a sair às ruas ao lado dos militares. O chefe do governo, Marcelo Caetano, que sucedeu a Salazar em 1970, rende-se à tarde e às 23h20 é aprovada a lei que dissolve a Assembleia nacional e o Conselho de Estado. Foram necessárias menos de 24 horas para encerrar um longo e obscuro capítulo da história e dar início a um processo revolucionário que levará o país à liberdade e à democracia com a aprovação, apenas dois anos mais tarde, da nova constituição.

Rápida, popular, pacífica e a única na Europa depois da segunda guerra mundial, a revolução dos cravos — assim chamada devido ao gesto de uma florista, Celeste Caeiro, que numa praça de Lisboa ofereceu cravos aos soldados — é, portanto, um ponto de mudança para o país. O que prevaleceu foi a vontade do povo português de se livrar de meio século de ditadura — aquele modelo de Estado novo que tanto evocava o fascismo italiano — e de pôr fim à guerra colonial, com a possibilidade de uma vida e de um futuro diferentes, marcados por uma forma de participação coletiva, por uma cultura e uma informação finalmente livres.

Cinquenta anos mais tarde, promovido pela embaixada de Portugal, no “Mattatoio” de Roma está a ser realizada uma interessante exposição intitulada L’alba che aspettavo (A madrugada que eu esperava), preparada por Alessandra Mauro e acompanhada por um rico catálogo (Roma, Contrasto, 2024, 200 páginas), que revive aqueles momentos através do testemunho de protagonistas, ilustrações e fotografias daquela época, incluindo também as mudanças políticas, sociais e culturais que posteriormente se verificaram no país.

A exposição, intitulada “Portugal, abril de 1974. Imagens e memórias de uma revolução”, está dividida em duas grandes partes. A primeira é constituída por uma cronologia detalhada, em que a leitura temporal dos acontecimentos é acompanhada por retratos de protagonistas e por fotografias emblemáticas daqueles dias, que não foram fruto de um golpe improvisado, mas o resultado de um longo processo. Com efeito, durante pelo menos oito meses os militares da nova geração que já não eram expressão da elite, mas da classe média e das camadas sociais menos abastadas, programavam a destituição da ditadura.

A segunda parte aborda, pelo contrário, certos temas e “visões” do processo de renascimento social desencadeado por tais acontecimentos, que tornaram única aquela experiência. Trata-se, nomeadamente, da reforma agrária e, mais ainda, da mudança radical do papel da mulher na sociedade.

Nesta ótica, a exposição desenvolve-se com as imagens dos grandes fotógrafos que, desde o primeiro momento, saíram às ruas para testemunhar o que ocorria diante dos seus olhos, a começar por Alfredo Cunha e Carlos Gil. E com eles, entre outros, Mário Valera Gomes, Guy Le Querrec, Peter Collis, Fausto Giaccone, Sebastião Salgado e Ingeborg Lippman, estes últimos para descrever o que acontecia nas colónias, com especial destaque para os partidários do Movimento popular de libertação de Angola, contra a ocupação colonial portuguesa, graças às fotografias tiradas em 1969 por Augusta Conchiglia.

Aberta até 25 de agosto, a exposição é, então, uma oportunidade única para quem quer saber mais ou simplesmente aproximar-se pela primeira vez da “revolução dos cravos”. «Procuramos oferecer os instrumentos indispensáveis para compreender o que ocorreu, de que modo e quando e, por outro lado, para recuperar o clima do momento, as suas novidades, descobertas e conquistas», explica a curadora, que conclui a sua nota introdutória ao catálogo citando os versos da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, os mesmos de onde foi tirado o título da exposição e do volume, que resumem admiravelmente a expetativa e o desejo de mudança daqueles dias: «Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo».

Gaetano Vallini