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Rumo ao Jubileu

A Belém de Roma

 A Belém de Roma   POR-030
25 julho 2024

Um acontecimento prodigioso: uma queda de neve em pleno verão em Roma. Tal como Nossa Senhora tinha revelado em sonho ao Papa Libério, 36º sucessor de Pedro.

Estamos no dia 5 de agosto de 359. O monte Esquilino ficou branco. Os flocos que caem no chão marcam o perímetro sobre o qual será construído um templo dedicado à Virgem. É a Basílica de Santa Maria Maior, conhecida como Liberiana. É lá que o Papa Francisco irá na tarde de segunda-feira, 5 de agosto, para participar nas segundas Vésperas do aniversário da dedicação da basílica papal e da solenidade de Nossa Senhora das Neves. A celebração, que será presidida pelo arcipreste coadjutor, D. Rolandas Makrickas, terá início às 17h30.

«O templo original não tinha certamente este aspeto. Era uma basílica muito mais modesta, com apenas uma nave», explica monsenhor Ivan Ricupero, mestre das celebrações litúrgicas de Santa Maria Maior, aos meios de comunicação do Vaticano. «Todo o resto foi acrescentado ao longo dos séculos. Com efeito, a Basílica foi reconstruída em 432 pelo Papa Sisto iii . Os mosaicos do arco triunfal recordam aquele momento histórico».

Com Sisto iii , a Basílica assumiu imediatamente o caráter simbólico de uma “segunda Belém”. Com efeito, no seu interior foi construído um Oratório do Presépio, uma reprodução fiel da gruta onde Jesus nasceu, feita com pedras da Terra Santa. Além disso, em meados do século vii , mais precisamente em 644, chegou aqui o precioso dom que o então Patriarca de Jerusalém, São Sofrónio, ofereceu ao Papa Teodoro i , natural de Jerusalém: a relíquia do santo Berço ou cunabulum.

Nessa época, numerosos ataques persas tinham devastado muitos lugares associados à memória da vida de Cristo. O futuro santo, monge e teólogo, ardente defensor da ortodoxia, doou ao Pontífice cinco hastes de madeira de sicómoro do presépio de Belém, com as faixas em que, segundo a tradição, o pequeno corpo de Jesus foi envolvido. São conservadas atualmente no precioso relicário de cristal, decorado com baixos-relevos de prata, realizado por Giuseppe Valadier no início do século xix .

Está colocado na Confessio, decorado com mais de 70 mármores diferentes por Pio ix , comemorado por uma estátua gigante ajoelhada e olhando para o mosaico absidal, onde está representada a Coroação da Virgem.

Portanto, não é por acaso que a Basílica Liberiana, chamada Sancta Maria ad Praesepem durante séculos, se tornou meta dos peregrinos “romeiros” na época das festividades natalícias, bem como objeto de grande devoção e munificência por parte de pontífices e soberanos. «Desde então, continua monsenhor Ricupero, a Missa da Vigília noturna é celebrada nesta Basílica. Poucas pessoas sabem que a primeira vigília da noite de Natal teve lugar aqui. Mais tarde, este costume foi transmitido e tornou-se uma tradição litúrgica da Igreja católica em todo o mundo».

Durante séculos, na noite de 24 de dezembro, o Papa costumava vir aqui para presidir à missa solene e, até antes da emergência da pandemia, a relíquia era levada em procissão pelas naves ao canto do Gloria. «Desde o ano passado, diz o sacerdote, decidimos expô-la de novo no exterior do seu relicário, elevada bem alto, para que possa ser venerada na noite de Natal, até ao dia da Epifania».

Graças a um sofisticado sistema de roldanas e guinchos concebido pelo arquiteto Domenico Fontana, o antigo Oratório do Presépio, que se encontrava originalmente na nave direita da Basílica, foi transferido para debaixo do imponente tabernáculo de bronze dourado da monumental Capela do Santíssimo Sacramento, construída em 1590 pelo Papa Sisto v Peretti, de acordo com as normas do Concílio de Trento.

Rodeado de afrescos dedicados aos antepassados de Cristo e de histórias da Virgem, o Pontífice renascentista está representado na parede esquerda da capela do monumento fúnebre a ele dedicado: em oração, com os olhos voltados para o altar medieval do Oratório do Presépio onde, nas noites de Natal de 1517 e de 1538, respetivamente, São Caetano de Thiene teve uma visão mística do Menino Jesus e Santo Inácio de Loyola celebrou a sua primeira missa. «O fundador da Companhia de Jesus, explica monsenhor Ricupero, teria gostado de a celebrar em Belém, mas não o pôde fazer devido a uma série de contingências. Cumpriu este voto aqui em Santa Maria Maior, considerada a “Belém de Roma”».

Neste lugar foi colocado aquele que é considerado o mais antigo presépio esculpido da história, realizado por Arnolfo Di Cambio em 1289, por encomenda do primeiro Papa franciscano Nicolau iv , menos de setenta anos depois da representação viva da Natividade desejada por São Francisco em Greccio. Desta obra-prima única da arte plástica medieval, também mencionada por Vasari, sobreviveram pelo menos cinco estátuas originais em mármore com as figuras de São José, dois Reis Magos de pé, um Rei Mago ajoelhado orante, e as cabeças do boi e do jumento, às quis se une uma Nossa Senhora com o Menino, sentada numa rocha, e de maiores dimensões: cerca de um metro de altura. A atribuição a Arnolfo desta última que, segundo alguns estudiosos, foi fortemente modificada no século xvi , é controversa. Vestígios de pigmentos presentes na pedra testemunham a forma como foi colorido o presépio original em pedra, cujo número exato de esculturas é desconhecido.

Tal como os pastores chamados pelo anjo para o nascimento do Salvador, no Ano Santo de 2025 muitos peregrinos virão à Basílica Liberiana, “Belém do Ocidente”.

Percorrendo o grande espaço litúrgico, o seu olhar será atraído por inúmeros mosaicos, pinturas e esculturas de grande valor; pelas preciosas relíquias do manto da Virgem, da palha e do panniculum, as faixas que envolveram o corpo do Menino Jesus.

No final, não pode faltar uma visita à Salus Populi Romani, o ícone que a tradição atribui à mão de São Lucas, padroeiro dos pintores, mas que estudos mais recentes fazem remontar a um período entre os séculos ix e xi . «Trata-se de uma imagem tão querida à devoção dos Papas e, em particular, de Francisco, que aqui vem no início e no fim de cada uma das suas viagens apostólicas», comenta monsenhor Ricupero. «A devoção é muito difundida entre os jesuítas: poucos sabem que quando Matteo Ricci iniciou a sua missão na China, recebeu do Papa uma pequena cópia do ícone da Salus que levou consigo».

O ponto central da visita jubilar a Santa Maria Maior será a pausa em oração, sob o altar-mor, sobre as relíquias do santo Berço, cujo valor histórico e devocional foi confirmado por recentes estudos científicos.

O pólen tirado do interior das hastes de sicómoro foi rastreado até à área geográfica de Belém e ao tempo de Jesus. Uma confirmação do que foi atestado durante séculos, entre outros, por São Jerónimo, cujos restos mortais estão conservados em Santa Maria Maior.

«As pesquisas, recorda o mestre das celebrações litúrgicas da Basílica, foram efetuadas em 2018. A ocasião foi propiciada pela decisão do Papa Francisco de doar um fragmento das veneradas hastes à Custódia da Terra Santa em novembro de 2019».

O Pontífice abrirá a Porta Santa de Santa Maria Maior no dia 1 de janeiro de 2025, solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus. «Já em 1390, conclui o sacerdote, há provas de que existia aqui uma Porta Santa que os fiéis podiam atravessar para receber o dom da indulgência. A visita a esta Basílica ligada à Natividade é uma oportunidade para peregrinos e turistas se aproximarem do grande mistério da Encarnação».

Paolo Ondarza