Atualidade da «Ecclesiam suam»

Paulo VI, o diálogo
como antídoto contra
o marketing religioso

 Paulo vi, o diálogo como antídoto contra o marketing religioso   POR-033
08 agosto 2024

Odiálogo «não é orgulhoso, não é espinhoso, não é ofensivo. A sua autoridade é intrínseca pela verdade que expõe, pela caridade que difunde, pelo exemplo que propõe; não é comando, não é imposição. Ele é pacífico, evita a violência, é paciente, é generoso». Assim escreveu Paulo vi na sua primeira encíclica, Ecclesiam suam, publicada a 6 de agosto, há sessenta anos. Estas poucas palavras são suficientes para compreender a extraordinária atualidade da carta de Montini, inteiramente manuscrita pelo seu punho pouco mais de um ano depois da sua eleição como Papa, com o Concílio ainda aberto. O Papa bresciano definiu a missão de Jesus como um «diálogo de salvação», observando que «não obrigava fisicamente ninguém a aceitá-lo; era uma formidável exigência de amor, a qual se constitui em tremenda responsabilidade naqueles aos quais se dirigia, deixou-lhes, no entanto, a liberdade de a corresponder ou de a recusar». Uma forma de relação que revela «um propósito de correção, de estima, de simpatia, de bondade por parte de quem a estabelece; exclui a condenação apriorística, a polémica ofensiva e habitual, a vaidade da conversa inútil». Não se pode deixar de notar a distância sideral desta abordagem em relação àquela que caracteriza tanta tagarelice digital por parte daqueles que julgam tudo e todos, usam linguagem depreciativa e parecem precisar de um “inimigo” para existir.

O diálogo, que para Paulo vi é inerente ao anúncio do Evangelho, não tem como objetivo a conversão imediata do interlocutor — uma conversão que, aliás, é sempre obra da graça de Deus, não da sabedoria dialética do missionário — e supõe «o estado de espírito de quem... sente que já não pode separar a própria salvação da busca da salvação dos outros». Em suma, não nos salvamos sozinhos. Também não nos salvamos erguendo cercas ou fechando-nos em fortalezas separadas do mundo para cuidar dos “puros” e evitar a contaminação. O diálogo é «a união da verdade com a caridade, da inteligência com o amor». Não é o anulamento da identidade daqueles que pensam que para anunciar o Evangelho é necessário conformar-se com o mundo e as suas agendas. Não é a exaltação da identidade como separação que faz com que se despreze os “outros”. «A Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, a Igreja faz-se mensagem, a Igreja faz-se conversa», porque «antes ainda de o converter, e para o converter, é preciso aproximar-se do mundo e falar com ele». E o mundo, explicou Paulo vi , «não se salva a partir de fora».

Mas a primeira encíclica do Papa Montini, desde as suas primeiras palavras, contém outras indicações preciosas para os tempos que estamos a viver. Ecclesiam suam, a Igreja é “sua”, é do seu fundador Jesus Cristo. Não é “nossa”, não é construída pelas nossas mãos, não é fruto da nossa habilidade. A sua eficácia não depende do marketing, das campanhas estudadas, do auditório ou da capacidade de encher estádios. A Igreja não existe porque é capaz de produzir grandes eventos, fogos de artifício mediáticos e estratégias de influenciadores.

Ela está no mundo para trazer à luz, através do testemunho quotidiano de tantos “pobres cristos”, pecadores perdoados, a beleza de um encontro que salva e dá um horizonte de esperança. Está no mundo para oferecer a todos a oportunidade de encontrar o olhar de Jesus.

Andrea Tornielli