O cardeal Tagle em diálogo com a Agência Fides sobre a viagem do Papa

Igrejas pequenas
mas que nos podem ensinar

 Igrejas pequenas  mas que nos podem ensinar  POR-036
05 setembro 2024

O pró-prefeito do Dicastério para a evangelização (Departamento para a primeira evangelização e as novas Igrejas particulares), em conversa com a Agência Fides, sugere por que a visita do sucessor de Pedro às Igrejas dos “pequenos rebanhos” é importante para toda a Igreja universal e pode interessar a todos aqueles que se preocupam com a paz no mundo.

Com quase 88 anos de idade, o Papa Francisco começa a mais longa e árdua viagem do seu pontificado. O que o leva a fazer este “tour de force”?

Lembro-me que esta viagem à Ásia e à Oceânia foi planeada já em 2020. Eu tinha acabado de chegar a Roma, à Congregação para a evangelização dos povos, e lembro-me que já existia este projeto. Depois, a pandemia de covid-19 parou tudo. E fiquei muito surpreendido por o Santo Padre ter retomado este projeto. É um sinal da sua proximidade paternal àquelas a que ele chama “periferias existenciais”. Digo a verdade: sou menos idoso do que o Papa e sinto que estas longas viagens são pesadas. Para ele, enfrentar esta fadiga é um ato de humildade. Não se trata de um espetáculo para mostrar o que ainda se é capaz de fazer. Como testemunha, digo que é um ato de humildade perante o Senhor que nos chama. Um ato de humildade e de obediência à missão.

Alguns repetem: esta viagem confirma também que o Papa prefere o Oriente e negligencia o Ocidente.

Esta ideia de considerar as visitas apostólicas como um sinal de que o Santo Padre “prefere” um continente ou uma parte do mundo e despreza outras partes é uma falsa interpretação das viagens papais. Depois desta viagem, no final de setembro, o Papa planeia visitar o Luxemburgo e a Bélgica. Também já visitou muitos países em várias regiões da Europa. Parece-me que, com estas viagens, ele quer encorajar os católicos em todos os contextos. E também não esquecer que uma grande parte da humanidade vive nestas regiões do mundo. A Ásia alberga dois terços da população mundial. A maioria destas pessoas é pobre. E muitos batismos têm lugar precisamente entre os pobres. O Papa Francisco sabe que há muitos pobres e que entre os pobres há esta atração pela pessoa de Jesus e pelo Evangelho, até no meio de guerras, perseguições e conflitos.

Outros salientam que os cristãos, em muitos países visitados pelo Papa, são poucos em comparação com a população.

Antes de efetuar as viagens, o Papa recebeu convites não só das Igrejas locais, mas também de autoridades civis e líderes políticos que solicitaram formalmente a presença do Bispo de Roma nos seus países. Estes desejam a presença do Papa não só por razões de fé, mas também por razões de interesse para as autoridades civis. Para eles, o Papa continua a ser um símbolo poderoso para a convivência humana, em espírito de fraternidade, e para o cuidado da Criação.

Como pastor pertencente à Igreja das Filipinas e depois cardeal do Dicastério missionário, que experiências e encontros teve com os países e as Igrejas que o Papa visitará nos próximos dias?

Na Papua-Nova Guiné fiz a visita apostólica aos seminários a pedido do cardeal Ivan Dias, então prefeito da Congregação de Propaganda Fide. Fiz duas viagens em dois meses, visitando os seminários da Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão. Visitei também a Indonésia e Singapura, mas nunca estive em Timor Leste, embora me tenha encontrado muitas vezes com bispos, sacerdotes, religiosos e leigos desse país. Para mim, a Ásia é “um mundo composto de diferentes mundos” e, como asiático, vejo que viajar pela Ásia abre a mente e o coração a vastos horizontes de humanidade, de experiência humana. O cristianismo também está incorporado na Ásia de formas que me surpreendem. Aprendo muito sobre a sabedoria e a criatividade do Espírito Santo. Fico sempre surpreendido com as formas como o Evangelho se exprime e se encarna no meio de diferentes contextos humanos. O meu desejo é que o Papa e também todos nós, na comitiva papal e jornalistas, possamos fazer esta nova experiência, a experiência da criatividade do Espírito Santo.

Quais são os dons e os pontos de conforto que as comunidades eclesiais visitadas pelo Papa nesta viagem podem oferecer a toda a Igreja?

Nesses países, as comunidades cristãs são quase sempre uma minoria, um “pequeno rebanho”. Em lugares como a Europa, a Igreja ainda goza de um certo “status” cultural, social e até civil de respeito. Mas também em muitos países do Ocidente voltamos a esta experiência da Igreja como um pequeno rebanho, e pode ser bom olhar para as Igrejas de muitos países do Oriente para ver como se comportam quando estão numa condição, num estado de pequenez. A experiência dos primeiros apóstolos, discípulos de Jesus, repete-se muitas vezes nestes países. Um pároco do Nepal contou-me que o território da sua paróquia corresponde a um terço da Itália: tem apenas cinco paroquianos espalhados por este grande território. Estamos em 2024, mas o contexto e a experiência parecem ser os dos Atos dos Apóstolos. E as pequenas Igrejas do Oriente podem ensinar-nos.

A primeira etapa da viagem papal é a Indonésia, o país com a maior população muçulmana do mundo.

A Indonésia é uma nação-arquipélago e nela existe uma enorme diversidade de situações culturais, linguísticas, económicas e sociais. É também o país do mundo com a maior população de religião muçulmana. O grande dom do Espírito Santo à comunidade católica indonésia é o da convivência que não nega a diversidade. Espero que a visita do Papa dê um novo impulso à fraternidade entre os crentes de diferentes religiões.

Durante as suas visitas, sentiu sinais concretos desta convivência fraterna?

Disseram-me que o terreno onde se encontra a universidade católica é uma oferta do primeiro presidente. Uma mensagem forte, para mostrar que no povo indonésio todos são aceites como irmãos e irmãs. Lembro-me também de quando participei na Jornada da juventude asiática. Considerando o reduzido número de cristãos, havia também muitos jovens muçulmanos entre os voluntários envolvidos na organização. A Conferência episcopal ofereceu-me dois assistentes, ambos muçulmanos, que vi desempenharem as suas tarefas com grande reverência pela Igreja.

Segunda etapa: Papua-Nova Guiné.

A Igreja da Papua-Nova Guiné é jovem, mas já deu à Igreja universal um mártir, Peter To Rot, que era também catequista. A Papua-Nova Guiné é também um país multicultural, com várias tribos que ocasionalmente entram em conflito umas com as outras, mas é um país onde a diversidade pode ser uma riqueza. Se suspendermos os nossos preconceitos, até nas culturas tribais podemos encontrar valores humanos próximos dos ideais cristãos. E depois, na Papua-Nova Guiné, há lugares onde a natureza é imaculada. Há dois anos, estive lá para a consagração de uma nova catedral. Perguntei ao bispo sobre a água e ele disse-me: “Podemos beber a água do rio, é potável”. Graças à sua sabedoria tribal, conseguiram manter a harmonia com a natureza e podem beber diretamente do rio. Algo que nós, nos chamados países desenvolvidos, já não temos.

Terceira etapa: Timor Leste.

É significativo que o Papa vá à Indonésia e depois a Timor Leste. Dois países que têm uma história de conflitos e que estão agora em paz. Uma paz frágil, mas que graças a ambos parece ser duradoura. A relação entre a Igreja local e o governo é muito boa. O governo local também apoia os serviços educativos ligados à Igreja. E parece-me que a Igreja foi um dos pontos de referência para a população durante a guerra da independência. O povo de Timor Leste afirma que a sua fé em Cristo o sustentou durante os anos de luta pela independência.

Quarta etapa: Singapura.

É um dos países mais ricos do mundo e é uma maravilha ver um povo que atingiu um tal nível de profissionalismo e de avanço tecnológico em poucos anos e com recursos limitados, graças também ao seu sentido de disciplina. O Governo de Singapura garante a todas as comunidades de crentes liberdade e protege-as de ataques e gestos desrespeitosos. As infrações contra as religiões são severamente punidas. As pessoas vivem em segurança e os turistas também. Mas é preciso equilíbrio. A história ensina-nos a ter cuidado para que a aplicação das leis não acabe por contradizer os próprios valores que as leis deveriam proteger.

Até nestes países — especialmente na Papua-Nova Guiné — a obra apostólica é cadenciada por histórias de missionários mártires. Mas, às vezes, o trabalho dos missionários continua a ser apresentado apenas como expressão de colonialismo cultural e político.

Pois bem, existe esta tendência e esta tentação de ler a história, sobretudo a história das missões, com os esquemas culturais atuais e de impor as nossas próprias visões sobre os missionários que viveram há séculos. A história, pelo contrário, deve ser lida com serenidade. Os missionários são um dom para a Igreja. Eles obedecem ao próprio Cristo, que disse aos seus para ir anunciar o Evangelho até aos confins da terra, prometendo que estará sempre com eles. Às vezes, alguns chefes de nações levaram missionários para lugares diferentes durante os processos de colonização. Mas esses missionários deslocaram-se para evangelizar, não para ser manipulados e usados pelos colonizadores. Muitos sacerdotes, missionários e religiosos agiram contra as estratégias dos seus governos e foram martirizados.

Qual é o elo misterioso que une sempre martírio e missão?

Há dois anos, foi publicado um estudo sobre a liberdade religiosa. Sobressaiu um dado claro: nos países onde havia intimidação e perseguição, o número de batismos aumentava. Onde existe uma possibilidade real de martírio, a fé propaga-se. E até quem não é crente pergunta: mas de onde vem toda esta força que os leva a oferecer a sua vida? É o Evangelho em ação. E o nosso objetivo, inclusive do Dicastério para a evangelização, é ajudar as Igrejas locais, sem impor uma forma mentis ou uma cultura diferente da sua.

Gianni Valente
e Fabio Beretta