Missa no estádio nacional

Abraçar todos sem preferências nem diferenças

Singaporean Catholics pray during mass at St. Joseph's Church in Singapore on September 10, 2024, ...
19 setembro 2024

Na tarde de 12 de setembro, o Papa Francisco presidiu à santa missa no Singapore National Stadium, na presença de aproximadamente cinquenta mil fiéis. Publicamos a seguir o texto da homilia pronunciada pelo Pontífice durante a celebração, na memória litúrgica do Santíssimo Nome de Maria.

«A ciência incha, mas a caridade edifica» (1 Cor 8, 1). São Paulo dirige estas palavras aos irmãos e irmãs da comunidade cristã de Corinto: uma comunidade rica em muitos carismas (cf. 1 Cor 1, 4-5), à qual o Apóstolo, nas suas cartas, recomenda frequentemente que cultive a comunhão na caridade.

Precisamente por isso, gostaria de comentar as mesmas palavras, inspirando-me na beleza desta cidade e nas grandes e arrojadas arquiteturas que contribuem para a tornar tão famosa e fascinante, a começar pelo impressionante complexo do National Stadium, no qual nos encontramos. Desejo fazê-lo recordando que, em última análise, também na origem destas imponentes construções, como de qualquer outro empreendimento que marque positivamente este mundo, não está em primeiro lugar, como muitos pensam, o dinheiro, nem a técnica, nem sequer a engenharia — sem dúvida, meios muito úteis – mas está o amor: «a caridade que edifica», precisamente.

Talvez alguns pensem que esta é uma afirmação ingénua, mas se refletirmos sobre ela, não é bem assim. Com efeito, não há nenhuma obra boa, que não tenha por detrás pessoas talvez geniais, fortes, ricas, criativas, mas ainda assim mulheres e homens frágeis como nós, que sem amor não têm vida, nem impulso, nem razões para agir, nem força para construir.

Queridos irmãos e irmãs, se existe e permanece algo de bom neste mundo, é simplesmente porque, em infinitas e variadas circunstâncias, o amor prevaleceu sobre o ódio, a solidariedade sobre a indiferença, a generosidade sobre o egoísmo. Sem isso, ninguém teria sido capaz de fazer crescer aqui uma metrópole tão grande: os arquitetos não teriam projetado, os operários não teriam trabalhado e nada teria sido conseguido.

Portanto, tudo o que aqui vemos é um sinal. Por detrás de cada uma das obras que temos diante de nós, há tantas histórias de amor a descobrir: homens e mulheres unidos entre si numa comunidade, cidadãos dedicados ao seu País, mães e pais devotados às suas famílias, profissionais e trabalhadores de todos os tipos e categorias empenhados, de forma honesta, nas suas diferentes funções e tarefas. E é bom que aprendamos a ler estas histórias, escritas nas fachadas das nossas casas e nos traçados das nossas estradas, e as transmitamos, para nos recordarem que nada de duradouro nasce e cresce sem amor.

Por vezes, a grandeza e a imponência dos nossos projetos podem fazer-nos esquecer isto, levando-nos a pensar que conseguimos, sozinhos, ser os autores de nós mesmos, da nossa riqueza, bem-estar e felicidade. Mas a vida conduz-nos sempre, em última análise, a uma verdade: sem amor, não somos nada.

Portanto, a fé confirma-nos e ilumina-nos ainda mais sobre esta certeza, porque nos diz que, na raiz da nossa capacidade de amar e de ser amados, está o próprio Deus, que com coração de Pai nos desejou e nos trouxe à existência de uma maneira totalmente gratuita (cf. 1 Cor 8, 6) e que, de forma igualmente gratuita, nos redimiu e nos libertou do pecado e da morte, com a paixão e a ressurreição do seu Filho Unigénito. É n’Ele, em Jesus, que tudo o que somos e podemos vir a ser tem a sua origem e o seu pleno cumprimento.

Assim, no nosso amor vemos um fiel reflexo do amor de Deus, como disse São João Paulo ii no momento da sua visita a esta terra (cf. São João Paulo ii , Homilia da Santa Missa no Estádio Nacional de Singapura, 20 de novembro de 1986), acrescentando uma frase importante: «Por conseguinte o amor é caraterizado por um profundo respeito por todas as pessoas, independentemente da sua raça, do seu credo religioso ou de qualquer outra coisa que as torne diferentes de nós» (ibid.).

Irmãos e irmãs, trata-se de uma palavra importante para nós porque nos recorda que, além do deslumbramento diante das obras feitas pelo homem, há uma maravilha ainda maior, a ser abraçada com muito mais admiração e respeito: os irmãos e irmãs que encontramos todos os dias no nosso caminho, sem preferências nem distinções, como nos mostra a sociedade e a Igreja de Singapura, etnicamente tão diversas e, ao mesmo tempo, tão unidas e solidárias!

Qual é o edifício mais bonito, o tesouro mais precioso, o investimento mais lucrativo aos olhos de Deus? Somos todos nós, filhos prediletos do mesmo Pai (cf. Lc 6, 36), chamados por sua vez a difundir o amor. As leituras desta Santa Missa falam-nos disto de várias maneiras; a partir de pontos de vista diferentes, descrevem uma mesma realidade: a caridade, que é delicada ao respeitar a vulnerabilidade de quem é fraco (cf. 1 Cor 8, 13), que é providente ao conhecer e acompanhar quem está inseguro no caminho da vida (cf. Sl 138), que é magnânima e benévola ao perdoar para além de qualquer cálculo e medida (cf. Lc 6, 27-38).

O amor que Deus nos manifesta e convida a praticar: «Responde generosamente às necessidades dos pobres, é caraterizado pela compaixão por aqueles que sofrem, está pronto a oferecer hospitalidade, é fiel nos tempos de provações, está sempre pronto a perdoar, a esperar»; perdoar e esperar, «a ponto de retribuir uma maldição com uma bênção [...] é o verdadeiro centro do Evangelho» (cf. São João Paulo ii , Homilia da Santa Missa no Estádio Nacional de Singapura, 20 de novembro de 1986).

Podemos vê-lo em tantas pessoas santas: homens e mulheres conquistados pelo Deus da misericórdia, que se tornam o seu reflexo, eco, imagem viva. Para concluir, gostaria de recordar duas dessas pessoas.

A primeira é Maria, cujo Santíssimo Nome celebramos hoje. A quantas pessoas o seu apoio e presença deram e dão esperança! Em quantos lábios o seu Nome apareceu e aparece nos momentos de alegria e também de dor! Tudo isto porque n’Ela, em Maria, vemos o amor do Pai manifestar-se num dos modos mais belos e totais: o da ternura — não esqueçamos a ternura! — a ternura de uma mãe, que tudo compreende e perdoa sem jamais nos abandonar. Por isso nos dirigimos a Ela!

O segundo é um santo muito querido nesta terra, que aqui encontrou hospitalidade por diversas vezes durante as suas viagens missionárias. Refiro-me a São Francisco Xavier, recebido várias vezes neste território, sendo a última no dia 21 de julho de 1552.

Dele, ficou-nos uma maravilhosa carta dirigida a Santo Inácio e aos primeiros companheiros, na qual manifesta o desejo de ir por todas as universidades do seu tempo, «levantando a voz como homem que perdeu o juízo e falando aos que têm mais letras que vontade para se disporem a frutificar com elas», a fim de que eles se sintam impelidos a ser missionários por amor dos seus irmãos, «dizendo do íntimo do coração: “Senhor, eis-me aqui; que queres que eu faça?”» (Carta de Cochim, janeiro de 1544).

Também nós, seguindo o seu exemplo e o de Maria, poderíamos fazer nossas estas palavras: «Senhor, eis-me aqui, que queres que eu faça?», de modo que elas nos acompanhem não só nestes dias, mas sempre, como compromisso constante a escutar e a responder prontamente aos apelos de amor e de justiça que, ainda hoje, continuam a chegar-nos da infinita caridade de Deus.