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Basílica jubilar triunfo de Cristo

 Basílica jubilar  triunfo de Cristo  POR-042
17 outubro 2024

Na basílica de São João de Latrão, a mais antiga do Ocidente, triunfa a Ressurreição. Vê-se bem, até à distância: no cimo da fachada da igreja sobressai a estátua do Ressuscitado que levanta o braço e estende a mão, atraindo para si a humanidade. A basílica está ligada por longas linhas retas às de Santa Maria Maior e de Santa Cruz em Jerusalém. A primeira representa o Nascimento, enquanto a segunda testemunha a Paixão e Morte de Nosso Senhor; juntas formam um triângulo espiritual que fala de Cristo.

E, no interior da igreja lateranense, o seu rosto destaca-se na bacia da abside, obra de Jacopo Torriti no século xiii e depois remodelado de 1876 a 1886 por Leão xiii . Este rosto do Salvador repete em grande escala o que se conserva na vizinha Sancta Sanctorum.

A primeira dedicação da basílica foi a Cristo Salvador; depois, com o Papa Gregório Magno, foram acrescentados João Evangelista e João Batista. É considerada a mãe de todas as igrejas: esta é a primeira, desejada pelo imperador Constantino após a vitória na Ponte Milvio, em 313. Os cristãos puderam deixar de se esconder e professar a religião de maneira livre pela primeira vez precisamente aqui, nesta basílica.

Disposições urbanísticas

A ligação urbanística transmite um laço espiritual que se amplia no espaço, incluindo também outros lugares sagrados de Roma e, sobretudo, São Pedro. Com efeito, do lugar do túmulo do Príncipe dos Apóstolos partia a procissão de entronização do Papa, terminando na basílica de São João de Latrão com a tomada de posse da cátedra como bispo de Roma. Este itinerário, fortemente simbólico porque passava também pelo Coliseu, lugar de martírio dos primeiros cristãos, e pelo monte capitolino, lugar do poder do Império romano e depois da Roma municipal, é documentado pela primeira vez em 858 com o Papa Nicolau i .

No segundo Jubileu, em 1350, Clemente vi acrescentou a basílica de São João de Latrão às de São Pedro e São Paulo. As rotas dos Pontífices foram traçadas pelos itinerários jubilares, ramificando-se ao longo do tempo rumo a outras basílicas, primeiro à de Santa Maria Maior, que se tornou a quarta basílica prescrita pelas visitas que os peregrinos deviam fazer repetidamente para obter a indulgência.

Polaridade
São Pedro — São João
de Latrão

Durante o primeiro Jubileu, Bonifácio viii ainda vivia no Latrão e a sua bula de de proclamação Antiquorum habet fida relatio com a data de 17 de fevereiro de 1300 na residência, de acordo com as regras da chancelaria. Alguns dias mais tarde, porém, o Papa decidiu promulgá-la pela segunda vez e, no rodapé, escreveu Datum Romae apud S. Petrum, “dado em Roma, junto de S. Pedro”. Esta oscilação entre os dois polos, o Vaticano e o Latrão, mostra em contraluz o caráter eminentemente petrino que, segundo Bonifácio, devia conotar o Jubileu, mas também a irresistível atração exercida pelo lugar santo do outro lado do Tibre sobre os fiéis que iam rezar diante do túmulo do Apóstolo e venerar o famoso Véu de Verónica. Tudo isto foi selado no dia 22 de fevereiro, festa da Cátedra de Pedro, quando o Pontífice foi até São Pedro e, de forma solene, revestido de maravilhosos paramentos, com uma casula de seda dourada, anunciou a indulgência do Jubileu e depositou a bula sobre o altar do Apóstolo.

O afresco de Giotto

Símbolo típico do Jubileu é o fragmento de um afresco que se encontra no primeiro pilar à direita da basílica e que representa o Papa Bonifácio viii numa varanda no ato de bênção ou de alocução, geralmente interpretado como o gesto de proclamação do Jubileu. A partir de uma cópia de Jacopo Grimaldi, conservada num manuscrito da Biblioteca Ambrosiana (Instrumenta translationum, ms . 1622, f. inf 227), podemos reconstituir o aspeto original do afresco, que é muito maior do que o trecho conhecido: o Papa Bonifácio dirige-se à multidão do alto da varanda de Latrão, ladeado por um clérigo e um cardeal, talvez Francesco Caetani. Fora do baldaquino papal estão presentes numerosos prelados, dispostos em dois grupos simétricos à direita e à esquerda. Também o historiador Onofrio Panvinio recordou, em 1570, que a cena fazia parte de um verdadeiro ciclo pictórico, com o Batismo de Constantino e a construção da Basílica de Latrão, especificando que a localização original era na varanda chamada thalamo ou pulpitum Bonifacii, em correspondência da atual varanda das bênçãos que, num primeiro esboço, foi construída pelo próprio Papa diante do palácio acrescentado ao antigo Latrão. A encomenda do afresco remonta ao período do primeiro Jubileu ou, pelo menos, ao ano de 1300. De qualquer maneira, vários estudos propuseram uma reinterpretação do tema iconográfico, identificado mais como uma cerimónia das “maldições” que tiham lugar na Quinta-Feira Santa, neste caso a 7 de abril do mesmo ano, e que atingiram a família Colonna e Filipe de França, ou com a segunda bula jubilar, de 22 de fevereiro de 1300, promulgada no mesmo dia que a Antiquorum habet fida relatio, centrada na exclusão dos inimigos da Igreja do benefício das indulgências. Esta segunda interpretação permitiria pôr em evidência um claro significado político do afresco.

Urbanismo
à medida do peregrino

Ao longo dos séculos, sucederam-se várias intervenções para criar um traçado viário que facilitasse o percurso dos peregrinos, como o projeto urbanístico de Sisto v , com a ajuda de Domenico Fontana, que se estendia até ao Coliseu e a São João, e previa um plano viário em forma de estrela, cujos pontos eram as basílicas, mas que não foi concretizado, e depois o projeto de Gregório xiii , em vista do Jubileu de 1575.

Singularidade da arquibasílica

A basílica era o coração de um complexo de edifícios à sua volta, chamado Patriarcado, onde viviam os Papas, desde o tempo de Constantino, exceto no período avinhonês, de 1309 a 1377. No final do século xiv , portanto, a corte pontifícia começou a transferir-se para o Vaticano, também porque a fortaleza do Castelo de Santo Ângelo garantia uma proteção inexpugnável em tempos de perigo.

A importância, ou melhor, a singularidade do Latrão exprime-se a partir da sua definição, que se encontra em certas inscrições na fachada principal: Omnium Urbis et Orbis Ecclesiarum Mater et Caput, ou seja, mãe e cabeça de todas as Igrejas da Urbe e da Orbe, e reflete-se nas fontes, a começar pelo Liber Pontificalis: «Rica e esplêndida em ouro e mármore, à imitação do palácio dos Césares, a basílica chamava-se áurea». No seu dicionário geográfico, o erudito árabe Yāqūt, que viveu entre os séculos xii e xiii , descreve as maravilhas de Roma, elabora uma lista de igrejas e atribui a maior importância à de São João, que define “das nações” ou Ecclesia universalis.

A mais preciosa

Yāqūt acrescenta que a igreja de São João é também a mais preciosa e descreve com admiração as suas inúmeras portas, quarenta das quais são feitas de ouro, uma floresta de colunas de mármore maravilhoso ou de bronze dourado, um altar totalmente cravejado de esmeraldas e mais estátuas douradas com olhos de rubi. Não se detém sobre as relíquias, exceto aquelas que pertencem à esfera judaica, como a vara de Moisés, os restos das tábuas da Lei e da arca da Aliança. Séculos antes, até o Liber Pontificalis falava das doações feitas por Constantino para lhe conferir magnificência imperial.

Uma fábrica
em constante evolução

A planta atual segue a constantiniana e está dividida em cinco naves. Ao longo do tempo, foi sempre embelezada com obras de arte de grande valor, também graças a doações muito bem atestadas pelas fontes como o Liber Pontificalis. Com o passar do tempo, sofreu destruições e pilhagens. Em 1300, com Bonifácio viii , foram efetuadas novas obras para o primeiro Jubileu da história talvez também, como já referimos, com afrescos de Giotto, e novamente o Papa Inocêncio x ordenou uma renovação total para o Jubileu de 1650. O arquiteto responsável foi Borromini. A nave central distinguia-se pelo gigantismo das proporções e as naves laterais por perspetivas claras e essenciais. A partir de finais de 1702, as estátuas dos doze apóstolos, inspiradas sobretudo nos desenhos do pintor Carlo Maratta, ocuparam o seu lugar nos nichos borrominianos dos pilares em forma de tabernáculo. O Papa Clemente xii acrescentou a grandiosa fachada, coroada por quinze estátuas enormes, projetada por Alessandro Galilei e concluída em 1734. As últimas grandes intervenções tiveram lugar no século xix , com Pio ix que restaurou o tabernáculo e a confissão, e depois com Leão xiii , que encomendou ao arquiteto Francesco Vespignani, entre 1876 e 1886, a demolição da abside e a sua reconstrução mais atrás. Nesta ocasião, o mosaico de Jacopo Torriti foi desmontado, remontado e em grande parte refeito.

As relíquias

No entanto, são as relíquias que mais interessam e atraem os peregrinos. Segundo as fontes, nenhuma igreja possuía mais relíquias do que a basílica de São João. No século xii , o abade islandês Nikulas de Munkathvera escreveu: «Diz-se que Roma mede quatro milhas de comprimento e duas de largura. Há cinco bispados. Um está na igreja de São João Batista. É ali que se encontra a sede papal, e ali estão preservados o sangue de Cristo e a sua túnica, o manto de Maria e grande parte dos ossos de São João Batista; aí estão o prepúcio do Menino Jesus e o leite do peito de Maria, fragmentos da coroa de espinhos de Cristo e da sua túnica, bem como muitas outras relíquias sagradas, preservadas num único grande vaso de ouro».

As cabeças sagradas
de Pedro e Paulo

As relíquias mais preciosas continuam a ser as cabeças de Pedro e de Paulo, conservadas em bustos de prata, colocadas no alto e visíveis através de uma grade dourada, por cima da arquitrave que sustenta a cobertura do cibório gótico, realizado por Giovanni di Stefano em 1367. Estes bustos relicários foram feitos no início do século xix , enquanto que os originais, que remontam a 1370 durante o pontificado de Urbano v (1362-1370), foram fundidos no final do século xviii para pagar os prejuízos de guerra à França napoleónica com o Tratado de Tolentino, de 1797. Logo abaixo do cibório, no final de uma escada helicoidal, encontra-se o túmulo do Papa Martinho v , que quis ser sepultado à sombra das relíquias sagradas.

As mesas de Pedro
e da Última Ceia

O altar de mármore incorpora também um segundo altar de madeira onde, de acordo com a tradição, o apóstolo Pedro teria oficiado a missa. Esta última relíquia é um contraponto aos restos da mesa, também de madeira, da Última Ceia, colocada à esquerda do altar-mor, numa sala inacessível, em correspondência com o relevo em prata do século xvi , de Curzio Vanni. O que é certo é que a presença destas duas relíquias semelhantes na mesma basílica dá corpo a um simbolismo importante: a continuidade do mistério da Eucaristia, de Cristo para Pedro.

Antigos símbolos do passado transformam-se no presente

Em frente ou no interior da própria basílica, fontes históricas e iconográficas atestam a presença de várias obras da Roma antiga, reforçando de novo a importância do Latrão.

A loba do Capitólio, uma famosa escultura de bronze que se encontra atualmente nos Museus Capitolinos, representa o símbolo da cidade. Chegou ao Capitólio por doação de Sisto iv . As primeiras informações seguras sobre esta estátua remontam ao século x , quando se encontrava acorrentada na fachada ou no interior do Palácio de Latrão: no Chronicon de Bento de Soracte, que remonta à mesma época, o monge descreve a criação de um supremo tribunal de justiça «no Palácio de Latrão, no lugar chamado [...] isto é, a mãe dos Romanos». Julgamentos e execuções “na loba” foram efetuados até 1450. A loba foi conservada com outros monumentos do passado, como a inscrição em bronze da Lex de imperio Vespasiani, e foram expostos como relíquias, símbolos da passagem entre o passado e o presente, do mundo pagão para o mundo cristão, do império romano para o papado.

Outro testemunho singular do mundo antigo encontra-se na entrada da nave central, fechada pela magnífica porta de bronze do século i a. c ., que pertencia à Curia Iulia, antiga sede do Senado romano no Fórum. Foi desmontada em 1656 por Alexandre vii e restaurada por Borromini, que lhe acrescentou os símbolos heráldicos da família Chigi, estrelas e bolotas.

A presença da escultura de bronze de Marco Aurélio no Latrão é documentada desde o século x , mas é provável que já lá estivesse pelo menos desde o final do século viii , quando Carlos Magno quis reproduzir a disposição do campus Lateranensis. Em janeiro de 1538, por ordem do Papa Paulo iii Farnese, a estátua foi transferida para o Monte Capitolino, que se tornou a sede das autoridades da cidade desde 1143. Na basílica de Santa Maria “sopra Minerva”, na capela Carafa, pintada por Filippino Lippi de 1488 a 1493, a escultura do imperador romano destaca-se ao fundo, à esquerda, de frente para a vista do Latrão, oferecendo assim um vislumbre do seu tempo. A basílica e os palácios de Latrão foram pintados em inúmeras vistas, especialmente em aguarelas e gravuras que refletem a paixão dos viajantes do Grand Tour no século xviii .

O obelisco na praça de São João de Latrão mede 32,18 metros de altura, atingindo 45,70 metros com a base. Remonta ao tempo dos faraós Tutmosis iii e Tutmosis iv , ou seja, ao século xv a. c . Provém do templo de Amon-Rá em Tebas, no Egito. Foi trazido para Roma pelo imperador Constâncio ii em 357 e colocado pelo praefectus urbis Memmio Vitrasio Orfito na coluna vertebral do Circo Máximo. Foi redescoberto em 1587, com o obelisco flamínico, transportado e erigido na sua colocação atual pelo arquiteto Domenico Fontana, por ordem do Papa Sisto v .

A Porta Santa Lateranense

A porta lateral direita, na fachada da basílica, é de bronze escuro, quase coruscante, mas à distância brilham o pezinho do Menino Jesus e a mão da Virgem, sinal da passagem dos fiéis e do seu gesto de devoção que os leva a tocar a imagem sagrada, até onde conseguem em altura.

Em 2000, por ocasião do Jubileu, São João Paulo ii quis dotar a Basílica de Latrão de uma nova Porta Santa. Obra do escultor Floriano Bodini, aluno de Francesco Messina, tem uma única folha de bronze e mede 3,6 metros de largura e 1,9 de altura. Toda a porta é atravessada por uma grande cruz. Por baixo de Cristo, com rosto doloroso e as grandes mãos abandonadas, vê-se como uma só figura, a Virgem que abraça ternamente o Filho e abençoa com a mão direita, à maneira latina. Na parte inferior, o brasão pontifício.

Na porta há placas, e cada uma assinala a passagem de um Pontífice pela Porta Santa por ocasião dos jubileus precedentes. São simples, bastante pequenas, mas comoventes, até porque cada uma está escrita com carateres epigráficos típicos de cada época correspondente, cadenciando o tempo.

No dia 29 de dezembro, o Papa Francisco abrirá a Porta Santa de São João de Latrão, que será fechada no domingo, 28 de dezembro de 2025.

Maria Milvia Morciano