Reflexão litúrgico-pastoral para o domingo XXXIII do tempo comum

À espera do Senhor que vem

 À espera do Senhor que vem  POR-046
14 novembro 2024

O Livro de Daniel terá sido provavelmente escrito no outono do ano 164 a. c ., com o objetivo de encorajar os judeus piedosos a permanecerem firmes na sua fé em plena perseguição antijudaica desencadeada três anos antes, em 167 a. c ., pelo tirano selêucida Antíoco iv Epifânio, e cujos ecos se podem ver, por exemplo, no Segundo Livro dos Macabeus 6 e 7, que regista a fidelidade heroica do velho Eleazar, de 90 anos, e dos sete jovens irmãos Macabeus. Estes são, no dizer do Livro de Daniel 12, 1-3, os mestres sábios (maskkilîm) e justificadores (matsddîqîm), isto é, dadores de vida: ensinam, não teorias, mas a vida verdadeira, dando a sua vida por amor: é assim que vencem os violentos, não opondo-se a eles, mas amando, isto é, dando a vida e dando vida, ensinando a viver. Estes novos sábios e justificadores são, diz o Livro de Daniel, as novas estrelas que brilham para sempre! Se brilham para sempre, então estão em comunhão com Deus, que é luz que não se apaga, pois não conhece trevas nem ocaso (1 Jo 1, 5).

2. Não são, portanto, as estrelas da moda, da música, do cinema ou do futebol, estrelas cadentes, de brilho efémero e passageiro! São as novas e verdadeiras estrelas de brilho permanente, inscritas no Céu ou no Livro da Vida (ver Ex 33, 32-33; Sl 69, 29; 139, 16; Is 4, 3; Dn 7, 10; 12, 1; Ml 3, 16, com ecos neotestamentários em Lc 10, 20; Fl 4, 3; Ap 3, 5; 13, 8; 17, 8; 20, 12.15; 21, 27). As outras pobres estrelas estão, na verdade, inscritas no chão, no pó da terra (Jr 17, 13), e lá se perdem e disperdem. Deus sabe escrever no coração (Jr 17, 1; 31, 33), na Cruz (Gl 3, 1) e, como já vimos, no chão e no Livro, mas também num gesto de particular ternura, na palma da sua mão (Is 49, 16).

3. O cenário do Evangelho deste Domingo xxxiii do Tempo Comum (Mc 13, 24-32) não é de terror, mas de amor! Novos céus e nova terra, saídos das mãos de Deus-Pai, com o Filho-que-Vem, e que está próximo, à porta. É como o noivo do Cântico dos Cânticos 5, 2, que bate à porta, descrito pela noiva que dorme, mas escuta com um coração enorme e sempre vigilante! Única atitude da Igreja Una e Santa que, Domingo após Domingo, se reúne com emoção e alegria à volta do seu Senhor-que-Vem. Tudo tão suave e tão cheio de maravilhas: o nosso Deus revelando ou simplesmente com todo o carinho desvelando, isto é, retirando o véu que encobre a verdadeira realidade, perante os nossos olhos atónitos! A paisagem que se segue separa-se com clareza de quanto a precede. Pela primeira vez, no seu discurso, Jesus começa uma frase com um «mas» (grego, allá), cortando com o que fica para trás e abrindo agora um início completamente novo: «O sol obscurecer-se-á, a lua não iluminará mais, as estrelas cairão do céu, os poderes do céu serão abalados... Virá o Filho do Homem e reunirá os eleitos» (Mc 13, 24-27). O sol, a lua e as estrelas representam a criação inteira. O seu fim indica o fim de tudo. E Jesus afirma pouco depois: «O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão» (Mc 13, 31). E o Livro do Apocalipse esclarecerá: «O primeiro céu e a primeira terra passaram, e vi um novo céu e uma nova terra» (Ap 21, 1), que o mesmo é dizer que o mundo, como o conhecemos hoje, não é a última obra de Deus!

4. Uma parte da Igreja antiga lia este «discurso escatológico» e outros textos similares do Novo Testamento no sentido da chegada iminente do «fim do mundo» (leitura ainda hoje desgraçadamente doentia nas seitas, com ano, dia e hora marcados!). Sim, é do «fim do mundo» que se trata, mas num sentido novo e inaudito: é a Palavra de Deus que não passa, e que é Amor e é Primeira e Última, sempre nova, portanto, que vem «pôr fim ao nosso mundo» de posse e egoísmo, autossatisfação e autoexpansão ilimitadas. É o Último, que é o Amor gratuito e desinteressado, que põe fim ao penúltimo, que é a nossa vã maneira de viver. Neste sentido novo, é de desejar que o nosso mundo velho e caduco entre em agonia e acabe já, para que comece verdadeiramente em nós, e já, um mundo novo e belo, cuja matriz é o Amor gratuito e incondicional. Neste sentido intenso e belo, vale a oração «Senhor, vem!» (marana tha’), porque, com sabedoria serena, sabemos que «o Senhor vem!» (maran ’atta’).

5. O discurso de Jesus no inteiro capítulo 13 de Marcos não é atravessado por nenhuma angústia, nem sugere qualquer corrida desenfreada e frenética. Pelo contrário, por quatro vezes, Jesus interpela os seus discípulos a um comportamento atento: «Vede bem», «estai atentos», «prestai atenção», grego blépete (Mc 13, 5.9.23.33), e igualmente por quatro vezes se faz ouvir a voz de apelo à vigilância: «Estai acordados», «vigiai», grego agrypnéô e grêgoréô (Mc 13, 33.34.35.37). Depois da admirável introdução deste capítulo (Mc 13, 1-4), com um discípulo a comunicar a Jesus o seu espanto perante as belas pedras das construções herodianas do Templo (Mc 13, 1), Jesus dá-lhe a volta, dizendo: «Vês estas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra que não seja destruída» (Mc 13, 2). E, sentando-se (como quem ensina) no Monte das Oliveiras, voltado para o majestoso Templo, e interrogado por Pedro, Tiago, João e André sobre o «quando» e «qual o sinal» (Mc 13, 3-4), Jesus profere então o inteiro ensinamento deste grande capítulo 13, que aparece organizado em três partes: 1) em Mc 13, 5-23, Jesus fala de um tempo de tribulação, em que pulularão enganadores (Mc 13, 5-6), guerras (Mc 13, 7-8), perseguições (Mc 13, 9-13), e outra vez guerras (Mc 13, 14-20), enganadores (Mc 13, 21-23), e uma chamada de atenção (Mc 13, 23); 2) em Mc 13, 24-27, parte central, Jesus anuncia a vinda do Filho do Homem para reunir os seus eleitos; 3) em Mc 13, 28-37, intercalam-se informações e advertências.

6. Note-se, colocada no centro da estrutura, que é sempre a parte mais importante, a vinda do Filho do Homem. Não é informação nem enumeração. É anúncio, que põe fim ao penúltimo, à luz do sol, da lua e das estrelas (Gn 1, 14-19), obra do quarto dia da criação, e faz retornar tudo à luz primeira de Deus (Gn 1, 3), obra do primeiro dia da criação e também do mundo novo, como se lê no Livro do Apocalipse: «A cidade não precisa do sol ou da lua, para a iluminar, pois a glória de Deus ilumina-a, e a sua lâmpada é o Cordeiro» (Ap 21, 23). Note-se ainda a importante instrução sapiencial da parábola da figueira (Mc 13, 28-29), colocada imediatamente após o anúncio da vinda do Filho do Homem: a atenção dos discípulos não deve centrar-se tanto no tempo presente e naquilo que se vê (o verde das folhas na primavera), mas naquilo que não se vê (o verão e a vinda do Filho do Homem). Não podemos ficar agarrados ao tempo presente, mas compreender que ele anuncia necessariamente o futuro. Não se vê ainda, mas está próximo. Note-se este «próximo» (eggýs) do Filho do Homem (Mc 13, 28.29) a fazer inclusão com o anúncio do Reino de Deus, igualmente próximo (eggýs), em Mc 1, 15.

7. Jesus diz, depois, de forma solene: «Em verdade vos digo (amên légô hymîn) que não passará esta geração antes que tudo isto aconteça» (Mc 13, 30). Entenda-se: Jesus declara que «esta geração» fará a experiência do fim. Por «esta geração» entendem-se os contemporâneos de Jesus, aqueles a quem Ele dirige a sua palavra. Poderemos, então, entender que Jesus pretende dizer que o fim virá durante o tempo daqueles que o escutam, antes da morte do último? Se levarmos em conta que só o Pai conhece esse dia e essa hora (Mc 13, 32), e se considerarmos a resposta de Jesus em Mc 13, 5-10 à pergunta que os seus discípulos lhe fazem em Mc 13, 4 sobre o «quando» e o «sinal», ficamos a saber que a Ele não interessa um momento determinado, mas põe a sua atenção sobre o cenário deste mundo e a necessidade primeira do anúncio do Evangelho. Esta maneira de ver sai confirmada se tivermos em conta que, quando Jesus fala de «geração», não a entende tanto em termos temporais, mas qualitativos: geração «que pede sinais» (Mc 8, 12), geração «adúltera» (Mc 8, 38), geração «incrédula» (Mc 9, 19). Assim também em Mc 13, 30, Jesus fala dos seus contemporâneos, mas está a vê-los de maneira qualitativa, isto é, enquanto representantes de toda a humanidade.

8. Em Mc 13, 31, Jesus põe em relevo a qualidade inaudita das suas palavras, que são mais estáveis do que o sol e a lua e toda a criação, realidades transitórias. Ao contrário, as palavras de Jesus não passarão e permanecem verdadeiras e válidas de modo absoluto e ilimitado. Fácil de compreender que desta maneira só Deus pode falar.

D. António Couto
Bispo de Lamego