Sinodalidade e missão estão intimamente ligadas: a missão ilumina a sinodalidade e a sinodalidade impele à missão

O Sínodo não terminou

 O Sínodo não terminou  POR-046
14 novembro 2024

OSínodo não terminou. Não se trata de um erro tipográfico: de facto, o Sínodo não terminou! Em muitos aspetos, aliás, acabou de começar. A xvi Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, que por vontade do Santo Padre Francisco, foi celebrada em duas Sessões distintas, em outubro de 2023 e outubro de 2024, concluiu-se certamente. Mas o processo sinodal sobre a sinodalidade, que tinha iniciado antes da Assembleia, está destinado a continuar.

No sábado, dia 26, com a aprovação do Documento final, e no domingo, dia 27 de outubro, com a solene Eucaristia conclusiva, atingiu-se o momento culminante deste longo caminho. A partir desse ponto culminante, abre-se agora uma nova fase, a da atuação e, ainda mais profundamente, a da receção.

A atuação é da responsabilidade, em primeiro lugar, da Secretaria geral do Sínodo em colaboração com os Dicastérios da Cúria romana e, por sua vez, dos órgãos executivos das Conferências episcopais, das suas Reuniões internacionais e das próprias Igrejas locais. Esta consistirá em traduzir em normas e práticas as conclusões do Sínodo, que — como é sabido — o Santo Padre reconheceu e entregou a toda a Igreja, sem sentir a necessidade de as integrar com um documento magisterial próprio (uma escolha já histórica em si mesma).

A receção, por outro lado, compete à Ecclesia, ou seja, ao inteiro Povo de Deus, chamado a acolher o que foi deliberado e a integrá-lo criativamente na sua vida. É um processo mais longo e mais complexo, ao qual se destina a própria atuação. Não pode ser dominado do alto dos organismos curiais. É, de facto, um acontecimento inteiramente espiritual, que por um lado se realiza mais “em baixo”, isto é, nas pregas concretas do caminho do Povo de Deus, e por outro lado ainda mais “em cima”, ou seja, na ação do Espírito Santo, que de modo misterioso guia a Igreja.

O que entrega a Assembleia sinodal ao Povo de Deus no final dos seus trabalhos? O que lhe “devolve” depois do percurso sinodal se ter esforçado, desde 2021, por ouvir a voz de todas as Igrejas locais, através de uma consulta detalhada da qual ninguém foi deliberadamente excluído?

Talvez o Sínodo tenha tido a intenção de entregar ao Povo de Deus uma “nova” Igreja, que se colocaria em descontinuidade com a Igreja na qual acreditamos e crescemos? Não, de modo algum. Pelo contrário, diria que o Sínodo entrega ao Povo de Deus uma Igreja “renovada” e “desejosa de renovação”: a Igreja de Cristo sentiu-se interpelada pelo Espírito a enveredar pelo caminho da reforma, para poder ser mais fiel a Deus e, ao mesmo tempo, mais fiel aos homens e às mulheres do nosso tempo.

Ao fazê-lo, o Sínodo colocou-se no caminho traçado pelo Concílio Vaticano ii , cujo 60º aniversário estamos a celebrar. Basta passar os olhos pelo Documento final para nos apercebermos de como o espírito conciliar está continuamente presente, mesmo para além das citações explícitas.

Do Concílio, o Sínodo retomou e aprofundou, à luz das mudadas circunstâncias da Igreja e do mundo, alguns ensinamentos fundamentais, que se podem resumir bem nas três palavras que, desde o início do caminho, o Papa Francisco escolheu como temas guia: comunhão, participação, missão.

A Igreja que sai do Sínodo é uma Igreja-mais-comunhão. O processo sinodal, apesar da diversidade de contextos e das sensibilidades, favoreceu a construção de um consenso em torno de algumas urgências da hora atual.

O Documento final, aprovado em todas as suas passagens, é prova disso. A comunhão não é a uniformidade rígida que quer esmagar a pluralidade dos acentos e reduzir tudo ao pensamento único. Pelo contrário, a comunhão é a harmonia dos diversos, à imagem da Santíssima Trindade: é a diferença que gradualmente se compõe, em virtude do reconhecimento e da submissão comum à vontade de Deus. Este é o grande “milagre” do Sínodo e, no fundo, de toda a experiência autêntica de Sínodo, desde a Igreja universal até à pequena comunidade cristã.

A Igreja que sai do Sínodo é uma Igreja-mais-participação. Esta foi talvez a palavra mais pronunciada e, sob certos aspetos, a mais apregoada, até pelos órgãos de imprensa. Um sinal dos tempos, na Igreja e no mundo do nosso tempo, é o pedido de um exercício da responsabilidade e da autoridade mais participativo, relacional e colaborativo. O Sínodo, a este propósito, procurou não ceder à lógica da reivindicação e preferiu evidenciar a unidade da missão eclesial, que todos os batizados são chamados a realizar, ainda que de forma diferenciada. Não se trata de alargar a plateia daqueles que comandam, repartindo tarefas na comunidade cristã, como se faz nos governos ou nos partidos, mas de dar a todos os batizados, simplesmente por serem batizados, a possibilidade de se colocarem ao serviço dos seus irmãos de fé e de humanidade.

Por todas estas razões, a Igreja que sai do Sínodo é, antes de mais, uma Igreja-mais-missão. O processo sinodal não foi um exercício improvável de introversão eclesial, no qual nos fechamos sobre os nos nossos problemas internos, que não faltam. Pelo contrário, foi um convite novo e urgente a relançar a única vocação da Igreja, a sua única razão de ser: a missão ao mundo que espera Cristo e a sua Palavra.

Só uma Igreja-mais-comunhão e uma Igreja-mais-participação é hoje capaz de cumprir de forma credível o mandato missionário. Afirma claramente o Documento final: «A sinodalidade não é um fim em si mesma, mas visa a missão que Cristo confiou à Igreja no Espírito. [...] Valorizando todos os carismas e ministérios, a sinodalidade consente ao Povo de Deus anunciar e testemunhar o Evangelho às mulheres e aos homens de cada lugar e cada tempo, fazendo-se “sacramento visível” (Lumen gentium, 9) da fraternidade e da unidade em Cristo querida por Deus. Sinodalidade e missão estão intimamente ligadas: a missão ilumina a sinodalidade e a sinodalidade impele à missão» (n. 32).

*Cardeal secretário-geral do Sínodo dos bispos

Mario Grech*