· Cidade do Vaticano ·

Entrevista com o Cardeal Secretário de Estado

Parolin: «Não nos rendamos à inevitabilidade da guerra»

 Parolin: «Não nos rendamos  à inevitabilidade da guerra»  POR-047
21 novembro 2024

Não «podemos render-nos à inevitabilidade da guerra! Espero sinceramente que este triste dia, o milésimo desde o início da guerra em grande escala contra a Ucrânia, provoque um sobressalto de responsabilidade em todos e, em particular, naqueles que podem impedir a carnificina que está a acontecer». A afirmação é do Cardeal Pietro Parolin, numa entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, na véspera da sua partida para o G20 no Brasil. O Secretário de Estado esteve na Ucrânia em julho passado, visitando Lviv, Odessa e Kyiv.

Qual é o seu estado de espírito nesta ocasião?

Só pode ser de profunda tristeza, pois não nos podemos habituar ou ficar indiferentes às notícias que nos chegam todos os dias e que falam de morte e destruição. A Ucrânia é um país agradido e martirizado, que assiste ao sacrifício de gerações inteiras de homens, jovens e idosos, arrancados aos estudos, ao trabalho e à família para serem enviados para a linha da frente; vive o drama de quem vê os seus entes queridos morrer sob as bombas ou sob os golpes dos drones; vê o sofrimento de quem perdeu a casa ou vive em condições extremamente precárias por causa da guerra.

O que podemos nós fazer para ajudar a Ucrânia?

Antes de mais, como crentes cristãos, podemos e devemos rezar. Implorar a Deus que converta os corações dos “senhores da guerra”. Devemos continuar a pedir a intercessão de Maria, uma Mãe particularmente venerada naquelas terras que receberam o batismo há muitos séculos. Em segundo lugar, podemos esforçar-nos por nunca deixar de ser solidários com quantos sofrem, com quem precisa de cuidados, com quem passa frio, com quem precisa de tudo. A Igreja na Ucrânia está a fazer muito pela população, partilhando dia após dia o destino de um país em guerra. Em terceiro lugar, podemos fazer ouvir a nossa voz, como comunidade, como povo, para pedir a paz. Podemos fazer ouvir o nosso grito, para reclamar que os pedidos de paz sejam ouvidos, tomados em consideração. Podemos dizer não à guerra, à louca corrida aos armamentos que o Papa Francisco continua a denunciar. É compreensível o sentimento de impotência perante o que está a acontecer, mas é ainda mais verdade que juntos, como uma família humana, podemos fazer muito.

O que é necessário hoje para, pelo menos, fazer cessar o fragor das armas?

É correto dizer “para fazer cessar, pelo menos, o fragor das armas”. Porque negociar uma paz justa leva tempo, ao passo que um cessar-fogo partilhado por todas as partes — antes de mais, tornado possível pela Rússia, que iniciou o conflito e que deveria interromper a agressão — poderia ter lugar até no espaço de algumas horas, se se quisesse. Como o Santo Padre repete muitas vezes, precisamos de homens que apostem na paz e não na guerra, homens que tenham consciência da enorme responsabilidade que representa a prossecução de um conflito com consequências sinistras não só para a Ucrânia, mas também para toda a Europa e para o mundo inteiro. Uma guerra que corre o risco de nos arrastar para um confronto nuclear, ou seja, para o abismo. A Santa Sé está a tentar fazer tudo o que pode, a manter canais de diálogo com todos, mas temos a sensação de ter voltado atrás no relógio da história. A ação diplomática, a paciência do diálogo e a criatividade da negociação parecem ter desaparecido, legados do passado. E são as vítimas inocentes que pagam o preço. A guerra rouba o futuro a gerações de crianças e jovens, cria divisões, alimenta o ódio. Quanta necessidade temos de estadistas com visão de futuro, capazes de gestos corajosos de humildade, capazes de pensar no bem dos seus povos. Há quarenta anos, em Roma, foi assinado o Tratado de Paz entre a Argentina e o Chile, resolvendo o diferendo sobre o Canal de Beagle com a mediação da Santa Sé. Alguns anos antes, os dois países tinham chegado ao limiar da guerra, com os exércitos já mobilizados. Tudo parou graças a Deus: muitas vidas foram poupadas, muitas lágrimas foram evitadas. Porque não é possível reencontrar este espírito hoje, no coração da Europa?

Acha que hoje há espaço para a negociação?

Mesmo que os sinais não sejam positivos, a negociação é sempre possível e desejável para todos aqueles que valorizam a santidade da vida humana. Negociar não é um sinal de fraqueza, mas de coragem. O caminho das “negociações honestas” e dos “compromissos honrosos”, e refiro-me aqui às palavras do Papa Francisco na sua recente viagem a Luxemburgo e à Bélgica, o caminho do diálogo é a via-mestra que devem percorrer aqueles que têm nas suas mãos o destino dos povos, um diálogo que só pode ser feito quando existe um mínimo de confiança entre as partes. E isto requer a boa fé de todos. Se um não confia no outro, pelo menos num grau mínimo, e se não se age com sinceridade, tudo fica bloqueado. Isto é válido para a Ucrânia, a Terra Santa, como em tantas outras regiões do mundo, onde se continua a combater e a morrer. Não nos podemos render à inevitabilidade da guerra! Espero sinceramente que este triste dia, o milésimo desde o início da agressão militar contra a Ucrânia, provoque um sobressalto de responsabilidade em todos e, em particular, naqueles que podem impedir a carnificina que está a acontecer.

Andrea Tornielli