Publicamos uma entrevista ao cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a cultura e a educação, que apresentou o encontro internacional de poesia «Em nome do Cântico», promovido para honrar os oitocentos anos do «Cântico das Criaturas» de São Francisco.
«Precisamos de poetas que nos possam ajudar a amar o mundo, a encontrar palavras de esperança, a retomar uma relação mais saudável, mais equilibrada com a natureza. Precisamos da reserva de humanidade e de visão que os poetas representam». O cardeal José Tolentino de Mendonça, teólogo e ele mesmo poeta, falou com paixão da iniciativa promovida pelo Dicastério para a cultura e a educação, do qual é prefeito, para homenagear os 800 anos do Cântico das Criaturas de São Francisco.
De 2 a 4 de dezembro, fez parte de um grupo de poetas e poetisas de renome internacional que se reuniram no Vaticano, e depois em Assis e Roma, para se deixarem inspirar por aquele texto fundador da literatura italiana, partilharem obras inspiradas nos valores franciscanos e redescobrirem, através da poesia, os valores da paz e da fraternidade.
O evento, intitulado «Em nome do Cântico», foi organizado em colaboração com o Comité nacional italiano para a celebração do oitavo Centenário da morte de São Francisco e pretendeu celebrar o seu legado como figura de ligação entre os povos, guardião da criação e promotor de relações humanas baseadas no perdão e na liberdade.
Mas porquê reunir 18 poetas e poetisas de diferentes nacionalidades no Vaticano? «Os poetas são importantes e a sua relação com a Igreja e o cristianismo não é nova», explicou o cardeal entrevistado pelos meios de comunicação social do Vaticano. «Este ano celebramos os 800 anos do Cântico das Criaturas e sabemos como essa composição poética tenha tido um papel seminal na espiritualidade, na visão do mundo, na experiência cristã, na relação também com as outras criaturas. Podemos dizer que gerou verdadeiramente uma nova sensibilidade. E é isto que esperamos também dos poetas do nosso tempo, que tragam sementes de novidade, de futuro, que possam dizer-nos o novo, evidenciando novas possibilidades».
O Papa Francisco publicou, em julho de 2024, uma Carta sobre o papel da literatura, na qual sublinha a capacidade da poesia de tocar o coração do ser humano e, recentemente — no prefácio do volume no livro Versi a Dio. Antologia della poesia religiosa (Versos a Deus. Antologia da poesia religiosa) — definiu o poeta como aquele que «com os seus olhos vê e ao mesmo tempo sonha, vê mais fundo, profetiza». Muitas vezes «falando em público, quer aos letrados, quer aos jovens nas escolas, o Papa Francisco usou o termo poeta como sinónimo de criativo», explica o prefeito do Dicastério para a cultura e a educação. «Um criativo também na esfera social, ou seja, alguém que pode imaginar, pode transportar para o presente novas possibilidades, o que ainda não existe mas que pode enriquecer muito a realidade». Hoje como ontem, a Igreja precisa de vós e dirige-se a vós», disse Paulo vi no encerramento do concílio, na Mensagem aos artistas, depois de já ter querido, na Capela Sistina, em 1964, restabelecer com eles a amizade. Podemos dizer que também hoje a Igreja pede ajuda aos poetas? «Claro que sim», comenta o cardeal Tolentino de Mendonça. «É isso que o Papa Francisco reitera hoje. Precisamos dos criativos, dos escritores, dos romancistas, dos novos narradores, precisamos de poetas que possam ajudar-nos a amar o mundo, a encontrar uma palavra de esperança, ajudar-nos a retomar uma relação mais saudável, mais equilibrada com a natureza. Os poetas são os guardiões desta teia de humanidade. Um poeta — explicou o purpurado — é uma espécie de reserva de humanidade, porque nas suas palavras tenta sempre humanizar os sentimentos, as experiências. E nós precisamos disto: da reserva de humanidade e de visão que os poetas representam».
«Em nome do Cântico» propõe-se também como momento de confronto entre artistas da palavra para redescobrir a atualidade do Cântico do Irmão Sol que, segundo os estudiosos, Francisco de Assis compôs entre 1224 e 1226, ano da sua morte. «É uma atualidade enorme e transversal», explicou o cardeal. «O encontro quer refletir sobre a posteridade do Cântico, sobre o seu impacto, não só ao nível da cultura e da língua em Itália e noutras culturas, mas também sobre a visão, o modo de ser poeta, de ser artista. Queremos refletir sobre o seu impacto sobre gerações de leitores que aprenderam a construir uma relação mais universal e fraterna com todas as criaturas partindo precisamente daquele cântico», explicou ainda Tolentino de Mendonça. «Pensemos em quantos poemas, quantos filmes, quantos romances, obras de cultura foram criadas meditando exatamente sobre esta composição que é como uma semente escondida no coração do tempo».
Num século em que a humanidade se encontra de novo a braços com o horror da guerra, a contribuição dos poetas para a promoção da paz pode parecer secundária. O prefeito do Dicastério para a cultura não concorda. «Lembro-me de uma história relacionada com a biografia da poetisa russa Anna Achmátova que, num período de guerra e de deportação, procurava o filho. Um homem, que também procurava desesperadamente o seu filho, reconheceu-a, e olhando-a perguntou-lhe: “Pode contar isto?”. Ora — explica Tolentino de Mendonça — os poetas são aqueles que podem contar: contar o drama da guerra — pensemos no poema de Primo Levi em Se questo è un uomo (Se isto é um homem) — fazer as perguntas que ajudam os homens a procurar a paz e a compreender que é a única solução verdadeiramente humana, desejável».
O Papa Francisco escreveu que os poetas podem ajudar-nos a compreender melhor Deus como “poeta da humanidade”. O cardeal sublinhou com uma metáfora a capacidade dos escritores para abrir a nossa imaginação ao mistério de Deus. «Um poeta é uma espécie de antena, uma sonda para intercetar o invisível, intercetar o silêncio. E Deus fala no silêncio. Se nós, como sociedade, removemos o silêncio, removemos também uma possibilidade de acesso ao mistério de Deus que se faz ouvir no silêncio. Os poetas são mestres do silêncio, da palavra certamente, mas todos os poetas são uma consequência do silêncio e sabem habitar o silêncio de uma forma teológica».
O encontro internacional de poesia «Em nome do Cântico» reuniu, por iniciativa do Dicastério para a cultura, uma representação de escritores e escritoras de diferentes nacionalidades e línguas: dezoito poetas, treze homens e cinco mulheres, provenientes da Itália, Espanha, Portugal, Israel, Estados Unidos e Argentina.
O evento dividiu-se em três dias: um seminário reservado apenas aos poetas no Dicastério, na manhã de 2 de dezembro, seguido, à tarde, por um Reading público na igreja de São Francisco “a Ripa”. No dia 3 de dezembro, a Peregrinação a Assis e, por fim, o diálogo com o público na feira editorial Più Libri Più Liberi (Mais Livros, Mais Livres) na Nuvola no eur , na quarta-feira, 4 de dezembro.
Fabio Colagrande