As palavras de Francisco e o relatório Sipri sobre o aumento da receita da indústria das armas

“Jogos” de guerra
e negócio de morte

TOPSHOT - Relatives mourn during the funeral of Al Jazeera cameraman Samer Abu Daqa, who was killed ...
05 dezembro 2024

«Quero evidenciar a hipocrisia de falar de paz e brincar à guerra. Em alguns países onde se fala muito de paz, os investimentos mais rentáveis são os das fábricas de armas. Esta hipocrisia leva-nos sempre a um fracasso. O fracasso da fraternidade, o fracasso da paz». As palavras pronunciadas pelo Papa Francisco no passado dia 25 de novembro para celebrar o 40º aniversário do tratado de paz entre a Argentina e o Chile que encerrou a contenda sobre o canal de Beagle encontram mais uma trágica confirmação nos dados divulgados pelo Sipri (Stockholm International Peace Research Institute): a indústria das armas continua a crescer, as receitas aumentaram 4,2% no ano passado chegando a 632 biliões de dólares (+ 19% em relação a 2015). Infelizmente, sabe-se bem a que outros dados está ligado este crescimento: o número de mortos e feridos militares e civis, as cidades destruídas, os deslocados, o futuro roubado a gerações de jovens, a devastação ambiental.

Nas palavras do Bispo de Roma surpreende aquela referência: «brincar à guerra». Se as guerras são abordadas, a nível mental, como uma espécie de “jogo”, seja ele político ou militar, isso é sinal de que se perdeu a vontade de ir à raiz dos conflitos. Perdeu-se a vontade de compreender as causas para encontrar uma solução. É sinal de que perdemos o valor da paz, a importância do diálogo e da negociação para resolver os diferendos. Além disso, o jogo envolve habitualmente uma competição, com um vencedor e um vencido, o que faz sentido se se tratar de um jogo de ténis ou de xadrez. Mas se a «brincar à guerra» são os Estados, são as ideias de fraternidade humana e de direito internacional a ser contrariadas.

Sublinhando a hipocrisia de quem quer lucrar com a guerra, indiferente às consequências catastróficas, o Papa Francisco lança um apelo premente à consciência dos dirigentes políticos e de todos. Pede que se deixe de construir o negócio à custa dos outros, à custa da paz e, portanto, à custa dos mais débeis e da humanidade inteira.

É um apelo profundamente espiritual, que precisa da oração intensa de toda a Igreja, especialmente neste tempo de Advento, para pedir ao “Príncipe da Paz” que inspire pensamentos, palavras e sobretudo ações que permitam viver a vida política internacional de maneira séria, sabendo olhar mais além, pensando no futuro, nas novas gerações. Com a consciência de que o nosso mundo tem extrema necessidade de “compromissos honrosos” — como o assinado entre a Argentina e o Chile, com a mediação do Vaticano, há quatro décadas — e não dos “jogos de guerra” dos prepotentes: «Deus queira que a Comunidade internacional faça prevalecer a força do direito através do diálogo, porque o diálogo deve ser a alma da Comunidade internacional».

Andrea Tornielli