Reflexão litúrgico-pastoral para o domingo IV do Advento

Maria modelo de fé na promessa divina

 Maria modelo de fé na promessa divina  POR-051
19 dezembro 2024

Aliturgia deste Domingo iv do Advento, já quase em cima do Natal do Senhor, convida-nos a contemplar, com amor emocionado, algumas joias da Escritura Santa.

2. Em primeiro lugar, porque o Evangelho tem sempre o primeiro lugar, o Evangelho de Lucas 1, 39-45. As Igrejas do Ocidente conhecem este episódio por «Visitação» de Maria a Isabel, enquanto os nossos irmãos do Oriente preferem denominá-lo «Saudação» de Maria a Isabel. O episódio é deslumbrante, e começa por nos mostrar Maria a correr sobre os montes para ir ao encontro de Isabel. Ao correr sobre os montes, Maria reveste-se dos traços sublimes do mensageiro de Isaías 52, 7, que diz: «Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a Paz, que leva Boas Novas a Sião!». Claramente, Maria aparece como portadora de Notícias Felizes. Mas, ao correr sobre os montes, Maria reveste-se também do perfume do amor novo do Cântico dos Cânticos 2, 8, onde se ouve a amada a dizer: «A voz do meu amado, ei-lo que vem correndo sobre os montes!». Assim, com esta simples nota narrativa, Maria aparece-nos como uma Mulher Bela, Encantada, cheia de Alegria, Esposa Amada e Habitada por Notícias Felizes, pela Notícia Feliz, isto é, pelo Evangelho em Pessoa, Jesus, que Maria humildemente serve e ternamente apresenta, mais tarde a Senhora Odighítria, venerada nas Igrejas do Oriente que, com a mão, aponta o caminho verdadeiro, o seu Filho Jesus, que leva ternamente ao colo.

3. Seria bom que nos demorássemos longamente a contemplar esta figura de Maria, bela, leve e feliz. Contemplando esta figura cheia de beleza e de leveza, estamos já a ver, em contraluz, o retrato dos Evangelizadores do Evangelho, também belos, leves e felizes e habitados por um amor novo: sem ouro, nem prata, nem cobre, nem alforge, nem duas túnicas (cf. Mt 10, 9; Lc 9, 3). E, se olharmos agora um bocadinho para nós, verificaremos logo, em contraponto, que talvez levemos coisas a mais e peso a mais!

4. Esta Mulher Bela, Esposa Amada e Feliz, saúda Isabel. Não pode senão encher de Alegria o mundo de Isabel, que irrompe naturalmente num hino de louvor, acrescentando mais umas palavras à oração da «Ave-Maria», iniciada pelo Anjo: «Ave [Maria], cheia de graça, o Senhor é contigo», disse o Anjo (Lc 1, 28). Acrescenta agora Isabel: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre [Jesus]» (Lc 1, 42), e aponta logo a seguir Maria como «Mãe do meu Senhor» (Lc 1, 43), desvelando o seu nome grande de «Mãe de Deus», começo da «[Santa Maria], Mãe de Deus».

5. Maria saúda Isabel. Esta saudação (aspasmós), ou a referência a ela, é vista como de tal modo importante que aparece narrada por três vezes: duas vezes na pena do narrador (Lc 1, 40-41) e uma vez na boca de Isabel (Lc 1, 44). Não obstante esta insistência, nunca é dito o seu desta saudação. É a maneira de salientar que o que interessa mesmo é a pessoa de Maria, mais do que as palavras que possa ter proferido. Não indicando as palavras proferidas por Maria, o narrador põe, de facto, em destaque a pessoa de Maria, mas tal procedimento serve ainda para acentuar o efeito que as suas palavras (não referidas) terão provocado. O texto grego salienta esse efeito com um duplo egéneto (Lc 1, 41.44), sendo egéneto o verbo típico do acontecimento que ocorre e se constata, e que não se pode deduzir, uma vez que cai fora da nossa esfera de ação e dedução. Seja como for, esta saudação de Maria teve tal impacto que o menino saltou de alegria no ventre de Isabel (Lc 1, 41.44), e Isabel ficou cheia (eplêsthê) de Espírito Santo (Lc 1, 41) e exclamou com voz grande: «Bendita (eulogêménê) tu entre as mulheres» (Lc 1, 42). Os dois verbos gregos encontram-se na forma passiva, o que indica que é Deus que está em ação. As ações e o vocabulário lembram o transporte da Arca da Aliança por David (2 Sm 6, 2-11) e as palavras de Ozias, um dos chefes da cidade de Betúlia, a Judite (Jt 13, 18). E as palavras seguintes de Isabel estão também cheias de significado: «De onde (póthen) me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43). Póthen aponta sempre Deus. O título «Senhor» (kýrios) reflete já em prolepse a fé pascal da comunidade cristã. Sem nunca referir o nome de Maria, Isabel define-a empregando três títulos que a põem em relação com o plano de Deus: 1) «Bendita» (Lc 1, 42), que traduz a ação de Deus em Maria; 2) «Mãe do meu Senhor» (Lc 1, 43), que traduz a identidade de Maria e a de Jesus; 3) «Feliz aquela que acreditou» (Lc 1, 45), empregando um macarismo que apresenta Maria como modelo de fé na promessa divina (cf. Lc 11, 27).

6. A segunda joia da Escritura Santa, que hoje nos é dado contemplar, é o texto singular da profecia de Miqueias 5, 1-4, que começa: «E tu, Belém de Éfrata, pequena entre os clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será o governador (môshel) de Israel» (Mq 5, 1). E termina, afirmando: «E ele será a Paz!» (Mq 5, 4).

7. Postando-se na esteira de luz de Isaías, Miqueias vê também que vai nascer um mundo novo. Mas de forma diferente do citadino Isaías, o camponês Miqueias não vê o mundo novo provir do Palácio ou do Templo da capital. Do Palácio e do Templo, do Rei e dos Sacerdotes, o humilde Miqueias apenas vê sair exploração, opressão, opulência, mentira e violência. É por isso que Miqueias critica asperamente os grandes da Capital que esbulham o povo, cortando a sua carne aos pedaços e metendo-a na panela (Mq 3). Por isso, quando Miqueias ousa sonhar e vislumbrar um mundo novo, não é para a Capital que ele se volta, mas para a província. E o condutor deste mundo novo não é um Rei nem um filho de Rei, mas um môshel, um contador de histórias ou de parábolas (meshalîm, sing. mashal), portanto, um guia sábio, simples e direto e penetrante, como Jesus, que guiará o mundo com o calor do sol e o sabor do sal da sua humilde sabedoria. Genial esta avenida de sentido que atravessa as Escrituras Santas: Miqueias canta um môshel, um contador de histórias e de parábolas, como condutor de um mundo novo. Os Evangelhos apresentam Jesus, que fala apenas em parábolas, e sem parábolas nada lhes falava (cf. Mt 13, 34; Mc 4, 34). E nós sabemos bem que Jesus não nos guia com exércitos e carros de combate, leis, polícia, alfândega ou pesados impostos, mas com a brancura dos lírios do campo e a inocente alegria dos pássaros do céu! É por isso que Miqueias evita Jerusalém e se volta para Belém. Os Evangelistas Mateus e Lucas saberão ler muito bem esta preciosa indicação de Miqueias.

8. A terceira joia é o texto da Carta aos Hebreus 10, 5-10, em que Cristo supera ao mesmo tempo o sacerdócio antigo e os sacrifícios rituais da antiga liturgia do Templo. Cristo é o novo Sumo Sacerdote que inaugura um culto novo, oferecendo-se a si mesmo ao Pai, por nós, para nós. Nós somos do tempo, não das coisas e dos animais, ofertas exteriores a nós, mas da oferta pessoal.

9. Enfim, o Salmo 80 é um cântico atravessado pelo sofrimento, porque Deus parece ter abandonado a sua vinha, o seu povo, mas vê-se já emergir ao mesmo tempo uma fé inabalável na ação renovadora de Deus, que há de levantar o seu povo do abismo. Vai nesse sentido também, do meio do sofrimento que sentimos à nossa volta, o nosso desejo expresso de ver o rosto de Deus: «Mostrai-nos, Senhor, o vosso rosto, e seremos salvos!», que é uma espécie de refrão que atravessa este Salmo (80, 4.8.15.20). E o Natal do Senhor ali tão perto!

D. António Couto
Bispo de Lamego